O ranking mundial universitário de 2020, elaborado por Xangai, coloca as universidades portuguesas (UP) entre os lugares 151-700, enquanto o ranking de 2020 estabelecido pela Times Higher Education posiciona as mesmas universidades no intervalo 501-800. A questão dos rankings é subjetiva e tem sido fonte de vários debates, em particular no que diz respeito à validade dos mesmos para aferir a qualidade das universidades. Contudo, nos dias de hoje, o sistema académico funciona segundo estes moldes, pelo que os rankings têm impacto na contratação de alunos e docentes, assim como na capacidade para atrair financiamento e visibilidade internacionais.
Atendendo a este contexto, podemos perguntar se estes rankings refletem a qualidade das UP. A resposta é: sim e não. Sim, porque de acordo com os critérios definidos para atribuição dos rankings, o posicionamento das UP é perfeitamente adequado. Não porque, na verdade, considerando a qualidade dos docentes e alunos, as UP poderiam estar numa posição bastante mais lisonjeadora.
Mas, então, qual é o problema? O problema é que os rankings consideram a investigação e desenvolvimento (I&D), como principal critério, enquanto as UP apresentam essencialmente características de ensino, e não de I&D.
No caso do ranking de Xangai, os critérios estão todos relacionados com a produção científica: detentores de prémios Nobel, investigadores com elevado número de citações e de artigos científicos indexados em índices de citação que englobam as revistas mais prestigiadas na comunidade científica.
No ranking da Times Higher Education, o critério é mais abrangente e inclui cinco pilares: ensino, investigação, citações, perspetiva internacional e receitas provenientes da indústria. Porém, se analisarmos em pormenor estes cinco pilares, verificamos que quase todos eles estão também relacionados com a vertente de I&D. No caso do ensino, é considerado, por exemplo, o número de alunos de doutoramento relativamente aos alunos de mestrado/licenciatura, o rácio entre alunos de doutoramento e docentes, assim como as receitas institucionais por docente, entre outros. As citações são um indicador direto do trabalho de I&D. Relativamente à componente internacional, o ranking considera critérios como o número de alunos e docentes internacionais, assim como trabalhos publicados em parceria com autores internacionais. No que diz respeito à interação com a indústria, o critério avalia a capacidade da instituição de atrair financiamento privado para fazer I&D.
Vejamos então o que podemos fazer para melhorar o posicionamento das UP no ranking internacional. Como referido acima, esta questão passa por dotar as universidades com os instrumentos necessários para o trabalho de I&D, alterando assim o paradigma atual, em que a componente de ensino ainda domina o funcionamento universitário. Esta reinvenção do sistema universitário português é premente, essencial e oportuna, com repercussões significativas no tecido empresarial e na sociedade, muito além do impacto que tem nos rankings internacionais.
Como converter o sistema universitário português, com características fortes de ensino, noutro modelo em que a I&D assuma um papel mais preponderante? Em primeiro lugar, é vital aumentar o número de alunos de doutoramento relativamente aos alunos de mestrado/licenciatura. Se analisarmos as universidades colocadas no topo dos rankings, verificamos que estas têm sensivelmente o mesmo número de alunos de doutoramento comparado com os alunos de mestrado/licenciatura. Em Portugal, os alunos de mestrado/licenciatura são aproximadamente dez vezes mais que os alunos de doutoramento. Mas porquê? Por um lado, isso tem a ver com a falta de financiamento disponível para I&D. Portugal aloca apenas 1,4% do PIB a I&D, enquanto países como China, EUA e Alemanha têm uma despesa de 2,2%, 2,8% e 3,0%, respetivamente (fonte: OECD, 2018). Por outro lado, os docentes portugueses têm, em geral, pouco tempo para submeter propostas de I&D que lhes permitam angariar financiamento, devido à elevada carga administrativa e à pesada carga horária letiva. De facto, quando comparados com as universidades no topo do ranking internacional, os docentes em Portugal têm cerca de seis-sete horas a mais de aulas por semana, o que, efetivamente, se traduz em muito mais horas, se considerarmos a preparação das aulas, a interação com os alunos e o trabalho administrativo. Neste sentido, é fundamental aproximarmo-nos dos padrões utilizados pelas universidades de excelência mundial.
Em segundo lugar, temos de tornar as UP mais internacionais, tanto a nível dos alunos como dos docentes. Estes procuram os locais com maior reputação na sua área de interesse e com as melhores condições financeiras. Assim, o ranking internacional tem um impacto direto na contratação de alunos e docentes. Por outro lado, o problema da endogamia universitária que promove a contratação de professores auxiliares formados pela própria universidade não permite a internacionalização das UP. Para ultrapassar este sistema é imperativo distinguir entre vagas e promoções na carreira. Isto é, as vagas devem abrir apenas para os candidatos externos à instituição. As promoções, pelo contrário, devem ser exclusivamente para os docentes internos.
Em terceiro lugar, continua a existir em Portugal uma interação reduzida entre o setor empresarial e o académico, embora na última década se tenha assistido a melhorias significativas. Esta incompatibilidade deriva habitualmente das diferenças culturais entre os principais intervenientes de ambos os setores. O objetivo das empresas é obter lucro e lançar produtos de valor acrescentado, enquanto, para as universidades, o objetivo é produzir conhecimento. Como consequência, a ausência de colaborações universidade-indústria traduz-se no declínio significativo do volume de verbas disponíveis para I&D, com impacto direto na produção científica e no desenvolvimento tecnológico.
Em suma, atendendo à qualidade dos docentes e alunos, as UP poderiam e deveriam estar numa posição bastante mais visível no panorama internacional. Não estão porque ainda não conseguimos reformar o sistema universitário e o investimento em I&D é reduzido. As universidades de hoje são essenciais para o desenvolvimento de economias competitivas e Estados modernos. Estas instituições são o centro de formação das classes profissionais que lideram a grande parte do setor público e privado, assim como o foco de I&D, o qual tem um impacto positivo na forma como comunicamos, trabalhamos, nos deslocamos e na qualidade e esperança média de vida.
*Professor catedrático, Departamento de Engenharia Mecânica, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa Diretor do Centro de Microscopia Avançada, Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), Braga
Professor catedrático, The University of Texas at Austin, EUA