A “aldeia” do Parque das Nações


A imagem não abona quanto à sensibilidade social dos dias que correm, interpelando tanto a política como a cidadania, num espaço que se julgaria expressão plena de modernidade e bem-estar social.


Ontem, manhã cedo, encostadas aos blocos confinantes com a pala de Siza no Parque das Nações, uma boa meia dúzia de casotas montadas com toldos e panos cuidadosamente unidos abrigavam pessoas que ali tinham passado a noite e daí a pouco iriam despertar para novo dia.

Como se de pequena-“aldeia”-dos-sem-abrigo-do-Parque-das-Nações, em último recurso, se tratasse.

Próxima de blocos habitacionais de elevado valor, a imagem não abona quanto à sensibilidade social dos dias que correm, interpelando tanto a política como a cidadania, num espaço que se julgaria expressão plena de modernidade e bem-estar social.

É certo que não se vislumbra em parte alguma do mundo a sociedade urbana perfeita e isenta da realidade de quem fica para trás ou é vítima das crises regulares, bem como das excecionais, como aquela que vivemos.

Mas a indiferença perante este fenómeno de um ser humano não ter o básico, e apenas encontrar como acolhimento a rua, deixa marca a quem olha esta realidade.

Portugal é hoje também esta “aldeia” do Parque das Nações, uma das muitas espalhadas pelo país.

E é aqui que o discurso político precisa de seriedade e de maior conformidade com o dia-a-dia nas arenas institucionais.

Ainda esta semana se ouvia o responsável das Finanças puxar do argumento de que austeridade diabólica é com os outros, que ele e o partido que o fez ministro, obviamente, não representam e não praticam.

É difícil não detetar um estado de negação aventureiro nesta conduta que, até bater na parede, há de insistir na tentativa de iludir almas e pensamentos.

A mensagem que estas declarações passam é a de que a política em Portugal está hoje desligada da realidade do quotidiano, em que as empresas pagam salários sem produção, algumas despedem sem alternativa, e as famílias consomem sem a contrapartida da mais-valia produtiva de que o consumo seria subsequente consequência, enquanto o ministro produz discurso como se este facto merecesse apenas a ficção declarativa.

Um brutal equívoco político-institucional vive o nosso país para que não se aborde a questão de Estado das democracias parlamentares modernas, a que só uma solução política maioritária de Governo daria resposta, interpelando o sentido mais convencional de uma base político-social alargada, empenhada e programática.

No atual estado de jogo de sombras à esquerda, julgam os protagonistas ter encontrado soluções para o presente que, na sua essência, apenas garantem poder para subsistirem na área do poder, mas não para “governarem” o país naquilo que devia ser condição sine qua non para um melhor futuro: a realização das reformas em agenda que, no presente, condicionam o estado do país nas próximas décadas.

E se, ainda assim, vigora este espírito na produção afirmativa do atual Governo, não menos académica se não também omissa, é a conduta que vem da oposição.

Incapaz de perceber que a situação é comparável a uma declaração de guerra pela arma pandémico-sanitária, destroçando a confiança e segurança nos fundamentos que se tinham como garantidos pelo Estado, nada se alterou para os protagonistas políticos também da oposição que não fosse a continuidade de avaliação e previsão como se tudo não passasse de vicissitudes circunstanciais, o que Portugal vive nos diversos planos do desastre económico e social.

É facto que entre muitas “irreversibilidades” hoje absurdas que a Constituição trouxe até aos nossos dias, uma delas é a criação de uma espécie de tempo “sanitário” entre a eleição presidencial e a dissolução da Assembleia da República, permitindo o arrastar de impasses como o que vivemos no presente.

Com a consequente invocação, como tem feito o Presidente da República, de que seria quase aventura haver eleições parlamentares durante uma crise sanitária.

Pobre América, com milhares de novos infetados todos os dias, mas que sai à rua também todos os dias para discutir tudo e não teme envolver o corpo mais ativo da sociedade na avaliação do que tem feito Trump e pretende fazer Biden.

Aqui é diferente. Na nossa democracia, o tempo pouco vale e a voz do povo parece ser temida por quem fala em seu nome, quando o povo devia dizer…

Um Parlamento que rejeita a consulta sobre a eutanásia – um tema não delegável (pela natureza civilizacional) nem sequer discutido nas últimas eleições –, mas é capaz de determinar restrições de direitos, liberdades e garantias, como a limitação de circulação entre concelhos, talvez mereça o quadro político-institucional de extravagâncias averiguadas, com as consequências sociais que por aí se encontram.

Afinal, as causas da “aldeia” no Parque das Nações no outono de 2020 são mais profundas que o simples olhar pode julgar.

 

Jurista


A “aldeia” do Parque das Nações


A imagem não abona quanto à sensibilidade social dos dias que correm, interpelando tanto a política como a cidadania, num espaço que se julgaria expressão plena de modernidade e bem-estar social.


Ontem, manhã cedo, encostadas aos blocos confinantes com a pala de Siza no Parque das Nações, uma boa meia dúzia de casotas montadas com toldos e panos cuidadosamente unidos abrigavam pessoas que ali tinham passado a noite e daí a pouco iriam despertar para novo dia.

Como se de pequena-“aldeia”-dos-sem-abrigo-do-Parque-das-Nações, em último recurso, se tratasse.

Próxima de blocos habitacionais de elevado valor, a imagem não abona quanto à sensibilidade social dos dias que correm, interpelando tanto a política como a cidadania, num espaço que se julgaria expressão plena de modernidade e bem-estar social.

É certo que não se vislumbra em parte alguma do mundo a sociedade urbana perfeita e isenta da realidade de quem fica para trás ou é vítima das crises regulares, bem como das excecionais, como aquela que vivemos.

Mas a indiferença perante este fenómeno de um ser humano não ter o básico, e apenas encontrar como acolhimento a rua, deixa marca a quem olha esta realidade.

Portugal é hoje também esta “aldeia” do Parque das Nações, uma das muitas espalhadas pelo país.

E é aqui que o discurso político precisa de seriedade e de maior conformidade com o dia-a-dia nas arenas institucionais.

Ainda esta semana se ouvia o responsável das Finanças puxar do argumento de que austeridade diabólica é com os outros, que ele e o partido que o fez ministro, obviamente, não representam e não praticam.

É difícil não detetar um estado de negação aventureiro nesta conduta que, até bater na parede, há de insistir na tentativa de iludir almas e pensamentos.

A mensagem que estas declarações passam é a de que a política em Portugal está hoje desligada da realidade do quotidiano, em que as empresas pagam salários sem produção, algumas despedem sem alternativa, e as famílias consomem sem a contrapartida da mais-valia produtiva de que o consumo seria subsequente consequência, enquanto o ministro produz discurso como se este facto merecesse apenas a ficção declarativa.

Um brutal equívoco político-institucional vive o nosso país para que não se aborde a questão de Estado das democracias parlamentares modernas, a que só uma solução política maioritária de Governo daria resposta, interpelando o sentido mais convencional de uma base político-social alargada, empenhada e programática.

No atual estado de jogo de sombras à esquerda, julgam os protagonistas ter encontrado soluções para o presente que, na sua essência, apenas garantem poder para subsistirem na área do poder, mas não para “governarem” o país naquilo que devia ser condição sine qua non para um melhor futuro: a realização das reformas em agenda que, no presente, condicionam o estado do país nas próximas décadas.

E se, ainda assim, vigora este espírito na produção afirmativa do atual Governo, não menos académica se não também omissa, é a conduta que vem da oposição.

Incapaz de perceber que a situação é comparável a uma declaração de guerra pela arma pandémico-sanitária, destroçando a confiança e segurança nos fundamentos que se tinham como garantidos pelo Estado, nada se alterou para os protagonistas políticos também da oposição que não fosse a continuidade de avaliação e previsão como se tudo não passasse de vicissitudes circunstanciais, o que Portugal vive nos diversos planos do desastre económico e social.

É facto que entre muitas “irreversibilidades” hoje absurdas que a Constituição trouxe até aos nossos dias, uma delas é a criação de uma espécie de tempo “sanitário” entre a eleição presidencial e a dissolução da Assembleia da República, permitindo o arrastar de impasses como o que vivemos no presente.

Com a consequente invocação, como tem feito o Presidente da República, de que seria quase aventura haver eleições parlamentares durante uma crise sanitária.

Pobre América, com milhares de novos infetados todos os dias, mas que sai à rua também todos os dias para discutir tudo e não teme envolver o corpo mais ativo da sociedade na avaliação do que tem feito Trump e pretende fazer Biden.

Aqui é diferente. Na nossa democracia, o tempo pouco vale e a voz do povo parece ser temida por quem fala em seu nome, quando o povo devia dizer…

Um Parlamento que rejeita a consulta sobre a eutanásia – um tema não delegável (pela natureza civilizacional) nem sequer discutido nas últimas eleições –, mas é capaz de determinar restrições de direitos, liberdades e garantias, como a limitação de circulação entre concelhos, talvez mereça o quadro político-institucional de extravagâncias averiguadas, com as consequências sociais que por aí se encontram.

Afinal, as causas da “aldeia” no Parque das Nações no outono de 2020 são mais profundas que o simples olhar pode julgar.

 

Jurista