Mónica Baldaque. A corda da memória

Mónica Baldaque. A corda da memória


Mónica Baldaque apresentou Sapatos de Corda, um livro de memórias sobre Agustina Bessa-Luís que só uma filha poderia ter escrito.  


Com dois dias de atraso – a cerimónia estava originalmente agendada para dia 15, data de nascimento de Agustina -, foi apresentado no sábado, dia 17, Sapatos de Corda, de Mónica Baldaque (ed. Relógio D’Água). É um livro de memórias que só uma filha poderia ter escrito, um livro cujos rastilhos biográficos nos darão a possibilidade de nos sentirmos mais próximos de Bessa-Luís, das suas casas, da sua manta de xadrez, dos seus retratos, do seu fogão de sala, dos seus cães, das suas viagens.

Pela mão firme de Mónica Baldaque iremos seguros ao encontro de uma outra Agustina, a sua. “Aqui há outra Agustina. Embora não seja um livro grande, está aqui tudo”, resumiu a autora. “Pode-se dizer muito mais e elevar a vida e a obra, mas estes dados só eu é que os tenho, e só vos entrego pela vontade de pôr as coisas no seu lugar”.

Não há dúvida de que em Mónica há muito de Agustina, ou melhor, há muito de Agustina em Mónica. Há, sim, claro que há, e não há a menor dúvida que não é só e apenas só pelo laço do sangue que as duas se fundem. As duas fundem-se na memória que agora também habita nestas páginas.

“É uma leitura falsamente leve, mas que traz muita informação nova sobre a minha mãe. Eu própria fui descobrindo mais o que a minha mãe foi só depois do seu desaparecimento”, revelou a autora.

Mónica Baldaque começou a escrever este livro ainda a mãe era viva. Começou a ler as cartas que Agustina escrevia à sua mãe (avó de Mónica) e percebeu imediatamente que não eram cartas que uma filha escreve a uma mãe. Cartas bravas, atentas, completas, mordazes.

O leitor encontra alguma correspondência aqui reunida, mas vai ser na última página que vai encontrar o mais enternecedor e poderoso dos textos: “Três Lágrimas por Agustina”, escrito por Mónica a 3 de setembro de 2019, três meses após a morte da autora de A Sibila.

“A primeira lágrima caiu-me na dobra do lençol, quando a minha mãe deixou de respirar. Foi dos momentos mais belos a que em toda a minha vida assisti. Tão secreto, tão sereno, deixar tudo, e entregar-se a um outro tempo, a um outro destino, no fundo já começado há milhares de anos, talvez… A segunda lágrima caiu-me no rosto da minha mãe, quando a penteava, morta. Ocorreu-me “onde terás pousado a travessa de tartaruga?”… e de repente percebi que não iria ter mais nenhuma resposta. Tudo ficava ali, pelas gavetas, nas caixas, nos armários, para eu encontrar e decidir. E isso é muito triste – aquilo que fica sem uso, parado, inútil e envelhece tão depressa. A terceira lágrima caiu-me no laço do vestido de seda azul-cobalto com que vestira minha mãe. Era um vestido de baile, magnífico”.

A capa do livro reproduz o retrato de uma mulher com o olhar enterrado no mar. Tem um vestido comprido, está um pouco curvada, com o queixo pousado na mão. É da cor do linho toda a paisagem, do mesmo linho que Agustina vestia nos dias quentes de verão.