O transporte público será uma peça central na estratégia de recuperação de todas as economias avançadas durante a pandemia. Por mais que o recurso ao teletrabalho seja uma opção crescente em muitas atividades, há milhões de trabalhadores no nosso país e em todo o mundo que pura e simplesmente não podem dar-se ao luxo do trabalho remoto. A virtualização do trabalho não é democrática. A manufatura, a educação nas nossas escolas, a prestação de cuidados de saúde ou a manutenção das nossas cidades exigem presença física.
Nas áreas urbanas mais densamente povoadas, as pessoas que têm de continuar a sair de casa para ganhar a vida dependem muito do recurso ao transporte público. Ter redes de transporte fiáveis em tempos de pandemia é decisivo para a reconstrução do edifício económico em que assentam as nossas sociedades.
Sem mobilidade não há nem liberdade nem prosperidade.
Isto mostra como é importante normalizar o uso do transporte público. Os autocarros, metropolitanos e comboios são lugares particularmente desafiantes por três razões: são espaços fechados e andam regularmente sobrelotados, anulando distâncias de segurança. A boa notícia é que a ciência e o bom senso permitem-nos dar resposta a este triplo desafio. Com mais ventilação e mais desdobramentos mitigam-se os efeitos da sobrelotação e protege-se o distanciamento social. Para resumir, diria que os principais problemas se resolvem com uma ideia operacional: menor densidade de passageiros, mais frequência de carreiras.
Em pandemia, não há problemas que se resolvam sozinhos. Precisamos do contributo de todos. Este é mais um caso exemplar: Governos (locais e nacionais), empresas e cidadãos são chamados a fazer a sua parte para que a pandemia não mate a confiança na rede capilar de transporte que anima a nossa economia e sustenta o nosso modo de vida.
Em Cascais estamos cientes das nossas responsabilidades e pretendemos que os cidadãos encontrem na mobilidade um catalisador para a prosperidade. Desde o dia 1 de janeiro de 2020 que os transportes públicos em Cascais são gratuitos para quem vive, estuda ou trabalha no concelho. Fomos o primeiro concelho do país e um dos poucos no mundo a criar universalidade de acesso como fundamento da liberdade de circulação. Esta decisão foi acompanhada por outras, a montante, como, por exemplo, termos estreado o sistema de bilhética unificado ou, de forma mais decisiva, Cascais ter-se tornado Autoridade Municipal de Transportes há uns anos. Isso permitiu que as nossas equipas começassem a trabalhar numa rede integrada e moderna de mobilidade.
Por imposição da União Europeia realizámos, antes de qualquer outro município no país, o concurso público internacional para a concessão de transporte coletivo rodoviário no nosso concelho. E enquanto a oposição em Cascais contestava o concurso insinuando a existência de um fato à medida para a Scotturb (que, ironicamente, venceu em concelhos comunistas e socialistas), a mesma Scotturb contestava o resultado do concurso que, concluído no final do ano passado, dava a vitória à Martin. A entrada da empresa espanhola em Cascais está apenas dependente do visto do Tribunal de Contas.
Com todo o respeito pelos tempos próprios das instituições, não escondo que esperamos e desejamos que esse visto surja o quanto antes. E porquê?
Porque a Martin – e a proposta de valor de serviço público que o município exigiu à empresa – será um parceiro insubstituível no combate às pandemias económica e social, ambas geradas na cauda da grande crise de saúde pública – sobretudo agora, que uma segunda vaga da doença está a emergir.
Para se perceber do que estamos a falar, quando obtivermos o visto do Tribunal de Contas poderemos duplicar a oferta de transporte público rodoviário. Em termos absolutos, estamos a falar de 7 milhões de quilómetros anuais contratados, um aumento de 83% face ao prestador atual. Ou seja, os passageiros em Cascais vão andar com maior segurança e maior distanciamento. Mas também com maior conforto: por exigência do concurso que montámos, a Martin terá de operar autocarros novos, com zero quilómetros, equipados com wi-fi, sensores de bordo e videovigilância. Toda a tecnologia de ponta no setor será embarcada na frota ao serviço dos cascalenses. É uma solução de mobilidade para um novo tempo que tem de ser, por obrigação moral, mais sustentável. Daí que toda a frota seja da última geração Euro vi, muito menos agressora do ambiente. A relação com a Martin prevê ainda uma bolsa tecnológica de 2 milhões de euros. Este dinheiro podia ter sido usado para baixar ainda mais o preço por quilómetro. Decidimos não fazer isso. Porque a inovação é importante, e porque queremos liderá-la, a Martin garantirá a todo o tempo a evolução tecnológica, com isso criando níveis crescentes de satisfação na experiência do cliente. Porque Cascais não é uma ilha, o nosso caderno de encargos prevê integração de toda a bilhética do concelho com a Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Por último, mas não menos importante, o preço: todas estas exigências foram conseguidas com um preço por quilómetro de 1,76€. Isso é bom ou mau? Temos de comparar com os nossos vizinhos. E quando comparamos vemos que vão pagar mais (o preço médio da AML é de 1,93€) por autocarros mais velhos (média de sete anos), com menos carreiras (aumento de 39%, inferior aos 83% de Cascais) e sem qualquer contrapartida para a investigação tecnológica.
Cascais sozinha conseguiu mais do que vários municípios da AML no seu conjunto. Este não é um jogo de soma zero. Todos ganham. Quero, por isso, felicitar a AML por ter seguido, sem preconceitos, o modelo de contratação que há muitos meses preconizámos em Cascais.
Os únicos derrotados em todo este processo foram apenas os impreparados eleitos da oposição em Cascais que nunca, em momento algum, compreenderam a natureza das mudanças que estavam a ser promovidas – nem nos transportes, nem no combate à pandemia.
Fazer frente à pandemia, recuperar a normalidade, reconstruir o país exige uma rede de transportes públicos seguros, confortáveis e frequentes. É isso que queremos. É isso que esperamos. É uma questão de tempo.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira com vista para o atlântico