Portugal daqui a 10 anos. Onde vão ser investidos os 57,9 mil milhões de fundos europeus?

Portugal daqui a 10 anos. Onde vão ser investidos os 57,9 mil milhões de fundos europeus?


Se as propostas de Costa Silva forem para a frente, em 2030, Portugal teria centrais de biomassa, comboios entre todas as capitais de distrito (e alta velocidade entre Lisboa e Porto). O país exportaria mais e teria cuidados para idosos (e também mais creches). Seria destino de turismo de saúde e desportivo. Mais de mil…


Alta velocidade entre Porto e Lisboa

O primeiro eixo da estratégia de Costa Silva assenta no reforço da rede de infraestruturas, a começar pela ferrovia. “O comboio deverá ser o principal meio de transporte nacional”, lê-se. O documento já sujeito a consulta pública mantém a aposta na alta velocidade na ligação entre Lisboa e Porto, mas Costa Silva defende que o projeto deve avançar de uma só vez, e não em duas fases, como dizia a proposta inicial. Ligar todas as capitais de distrito por comboio, reativar a rede ferroviária entre Portugal e Espanha, construindo as ligações Lisboa-Madrid e Porto-Galiza, são outros desígnios para a década. A proposta deixa cair a adoção da bitola europeia, argumentando que o tema divide opiniões, o investimento seria colossal (e poderá sempre ser feito no futuro) e que para as ligações com Espanha, que antevê que possam ser a base do crescimento do hinterland ibérico (a expressão é repetida no documento, em português significará dinamizar o interior do país), é suficiente a bitola ibérica. Nesta rubrica das infraestruturas estão previstas intervenções nos portos e o alargamento dos metros de Lisboa e Porto. Não há novas autoestradas, mas haverá intervenções a fazer na rede rodoviária. Depois da consulta pública surgem outros pontos de intervenção, como a aposta em ciclovias e percursos pedestres.

 

Qualificar adultos, literacia digital e pacto para a ciência

Um programa de qualificação de adultos, o aumento do investimento em programas de ação social para os ensinos básicos, secundário e superior e um programa de qualificação e modernização das redes de escolas e centros de formação são algumas das propostas do segundo eixo da visão estratégica, dedicado à qualificação e à ciência, que propõe ainda, para rejuvenescer o corpo docente, o investimento num programa de reformas antecipadas, negociadas com os professores mais idosos, e alargar o recrutamento de novos professores jovens. Da consulta pública sai a ideia de melhorar o ensino profissional e atualizar materiais pedagógicos em matérias como a leitura, tecnologias digitais, formação cívica e desporto. A extensão da fibra ótica a todo o país e o investimento no 5G já tinham sido considerados essenciais na primeira versão. No setor científico, a modernização e diversificação das ofertas formativas das universidades, programas de reequipamento das infraestruturas tecnológicas e desburocratização das candidaturas a investimento foram algumas das sugestões recebidas na consulta pública, tendo sido sugerido um pacto para a ciência.

 

Reforço do SNS e aposta na indústria ligada à saúde

Na saúde, a versão inicial do documento traçava objetivos gerais como um plano de investimento para reforçar o SNS e defendia também um programa nacional de investimento na prevenção de doenças, um plano para a investigação na área das ciências da saúde, um programa de investimento para as biotecnologias da saúde e outro para transformar Portugal numa “fábrica da Europa” na produção de medicamentos e dispositivos médicos inovadores. Na senda da atual crise, Costa Silva advoga ainda a aposta nacional na fileira dos equipamentos de proteção. Em termos de grandes obras, além dos hospitais já planeados no SNS (e incluídos nos últimos Orçamentos), a aposta seria numa infraestrutura nacional de terapia oncológica com protões, convertendo o Centro Nuclear de Sacavém – um projeto que chegou a ser lançado na última legislatura, em 2018, quando o Governo aprovou orientações estratégicas para a criação desta nova unidade de tratamentos avançados em Loures. Das propostas recebidas no período de consulta pública, Costa Silva destaca a necessidade de investir na formação de profissionais e as “propostas de utilização de inteligência artificial e ciência de dados no tratamento da informação” de atos de gestão e de prestação de cuidados.

 

Estado social: habitação e cuidados a idosos

No eixo dedicado ao Estado social, a visão estratégica de Costa Silva reconhece que os programas de investimento não são novidade, mas passam a ser possíveis a uma nova escala. A recuperação do parque habitacional devoluto, em vez da construção de bairros sociais, e a qualificação de rede de cuidados para a população mais idosa são duas das áreas destacadas no documento apresentado em julho, que defende emprego social para pessoas menos qualificadas em áreas como a limpeza das florestas. O gestor propõe mudanças no financiamento da Segurança Social, hoje associado à remuneração do trabalho, propondo uma indexação ao rendimento das empresas. Se na proposta inicial se lia que o problema da demografia não se resolve só com políticas de apoio à natalidade, apontando-se à atração de mão-de-obra qualificada do exterior, da consulta pública vieram propostas de apoio à natalidade e a requalificação e alargamento da rede pública de creches, tema que tem sido debatido nos últimos Orçamentos e não surgia na proposta inicial. A desburocratização dos programas de combate à pobreza, a criação de mecanismos de microcrédito e a abertura da ADSE a todos os ativos com emprego foram outros contributos recebidos.

 

Hidrogénio verde e centrais de biomassa

É um dos capítulos mais extensos da visão estratégica, sendo proposto o investimento no cluster de engenharia de produtos e sistemas complexos com base nas tecnologias digitais, no cluster de indústrias e economia da defesa (que cobre as indústrias aeronáuticas e espacial) e no cluster das renováveis, e a aposta no hidrogénio verde – que o Governo fez descolar este verão com a apresentação do Plano Nacional de Hidrogénio, que tem suscitado críticas. Na súmula da consulta pública, Costa Silva assinala que o papel do hidrogénio como catalisador da transição energética foi “relevado” nos contributos, mas também foi recebido o alerta de que as tecnologias de produção ainda não estão maduras. Defende, no entanto, que o investimento deve ser encarado na senda da descarbonização do país. Aquacultura e pescas são outras áreas apontadas para investimento, assim como as centrais de biomassa. Depois dos contributos, Costa Silva propõe um modelo de pequenas centrais para a produção de eletricidade que ajudem a dinamizar economias locais e na limpeza da floresta, mesmo que rendam pouco. “O uso da biomassa para a produção de eletricidade revela pouca eficiência, e por isso é recomendada a construção de uma rede de pequenas centrais para a produção de calor, associada a grandes equipamentos públicos ou a bairros residenciais, contribuindo assim para a redução da pobreza energética”, lê-se no documento.

 

Reconversão industrial: startups, carros e 5G

No capítulo dedicado à reconversão industrial, o “reforço do apoio à internacionalização e a criação de enquadramentos específicos para o setor das startups de base tecnológica”, além da reconversão da indústria automóvel para a componente da mobilidade sustentável, são apontados como prioridades. Dos contributos da discussão pública, outra das recomendações destacadas por Costa Silva na análise apresentada esta terça-feira prende-se com a necessidade de assegurar a transparência e proteger a livre concorrência no leilão de atribuição de frequências 5G.

 

Transição energética e a eletrificação da economia

O sétimo eixo da visão estratégica apresentada em julho, dedicado à transição energética e eletrificação da economia, foi o que recebeu menos contributos (26 em 1153). Reforçar a aposta na energia solar, na energia eólica no mar (offshore) e reforçar incentivos à instalação de painéis fotovoltaicos são algumas das ideias agora reforçadas. “O aproveitamento de todas estas fontes pode permitir a exportação de energia, e para isso é preciso tratar das interligações entre a Península Ibérica e a França e também com o Norte de África”, lê-se na análise divulgada ontem. Uma novidade é a proposta de revisão da estrutura tarifária da eletricidade: “É importante para a performance da economia portuguesa a redução dos custos de contexto, em particular da energia”.

 

Coesão do território, agricultura e floresta

Projetos de ordenamento e valorização do território, como contratos de desenvolvimento territorial que juntem comunidades intermunicipais, universidades, politécnicos e associações empresariais, ou uma nova política fiscal para o interior do país, ao nível do IRC, são algumas das propostas agora sublinhadas no capítulo dedicado à coesão territorial, agricultura e floresta. O combate à desertificação, em particular no Baixo Alentejo e no norte do Algarve, é considerado urgente. Costa Silva propõe um novo programa, mobilizando academia e empresas, em diálogo com os países do norte de África. No setor agrícola, onde o Governo já avançou com um plano a dez anos, uma das propostas recebidas passa pela criação de um estatuto especial para agricultores inovadores.

 

Os autocarros urbanos foram um “fracasso”

Um programa de eletrificação de frotas urbanas e o apoio à construção de ciclovias seriam algumas das apostas do gestor no campo da mobilidade, em busca de cidades mais verdes. Investir numa rede de metro de superfície e de “elétricos” nas grandes cidades, “como forma de minorar os efeitos do ‘fracasso’ do autocarro como meio de transporte público urbano, que se mostrou incapaz de dissuadir a utilização de viaturas particulares”, é uma das ideias destacadas depois do período de consulta pública, assim como substituir os “grandes autocarros a gasóleo” por veículos híbridos de menor dimensão. Uma rede de carregamento de baterias para carros elétricos em todas as cidades foi outra das propostas recebidas e destacadas por Costa Silva no segundo documento entregue ao Governo.

 

Destino de turismo de saúde e desportivo

Depois de críticas do setor à visão estratégica apresentada em julho, Costa Silva sublinhou na apresentação de ontem que o turismo é vital e deve ser sustentado. Apostar na diversificação da oferta turística, apoiando o desenvolvimento do turismo de saúde e bem-estar e do turismo cultural, promover os parques naturais do país e investir na requalificação do património arquitetónico português foram algumas das propostas recebidas nesta área. No comércio, a preocupação é a digitalização. Na cultura, as ideias de Costa Silva passam também pelo reforço das tecnologias digitais. No desporto, dois contributos convenceram Costa Silva: um programa de reabilitação de instalações desportivas, através de cofinanciamento de pequenas obras em clubes e associações desportivas de base local, e a promoção da marca “Portugal no Desporto”, tornando o país um destino para o turismo desportivo com enfoque nos desportos náuticos e promovendo junto de atletas nacionais e estrangeiros os 14 centros de alto rendimento que existem no país.