Peritos acreditam que ainda é possível evitar segunda onda

Peritos acreditam que ainda é possível evitar segunda onda


Modelo matemático desenvolvido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa sugere que reduzir contactos entre jovens a um terço é a única forma de evitar com segurança uma segunda onda, isto se os contactos na sociedade se mantiverem reduzidos a metade nos próximos meses. Diretores avisam que isso não será possível com ensino presencial.


“A segunda onda não é uma fatalidade”. O repto foi deixado esta segunda-feira pelo epidemiologista Manuel Carmo Gomes na retoma das reuniões entre peritos e decisores políticos, desta vez, não no Infarmed, mas no auditório da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. E agora com as exposições dos especialistas, até aqui à porta fechada, transmitidas online. Na parte dedicada ao regresso às aulas, Carmo Gomes apresentou pela primeira vez o modelo matemático desenvolvido pela equipa da FCUL para o Governo para a evolução da epidemia nos próximos meses. O modelo nacional, que se junta assim às projeções feitas por outros grupos de investigação, teve em conta a matriz dos contactos habituais nas diferentes faixas etárias e foi afinado para ver se reproduzia o que se passou no país nos últimos meses, quer em termos de hospitalizações por covid-19, quer nas infeções reais da população, que o inquérito serológico nacional revelou em julho que foram, na realidade, seis vezes superiores às infeções diagnosticadas. A conclusão é que a reabertura das escolas já na próxima semana, com o regresso de 1,2 milhões de alunos às aulas, torna “provável” uma segunda onda de infeções, com as hospitalizações a superarem mesmo o que aconteceu nos primeiros meses da pandemia. Esse cenário só se verifica, no entanto, se as escolas forem reabertas mantendo o mesmo nível de contactos entre crianças, jovens e funcionários que existia antes da pandemia. A novidade do modelo é sugerir que se houver uma redução dos contactos, a projeção de hospitalizações diminui, e se os contactos forem reduzidos a um terço nas escolas, a segunda onda pode mesmo ser evitada, acredita a equipa de Manuel Carmo Gomes, que considerou que este seria um caminho “exigente”, mas “possível”.

 

Ensino misto deve ser equacionado

A uma semana do início do ano letivo, Manuel Carmo Gomes deixou algumas indicações práticas, como maximizar os espaços ocupados pelos alunos, evitar que haja mais do que uma turma a ocupar a mesma sala e garantir o arejamento das salas – por exemplo, numa aula de hora e meia fazer uma pausa de cinco minutos para arejar a sala –, mas também o desencontro de horários, defendendo, no entanto, que apesar de o objetivo ser o ensino presencial, o ensino misto (presencial e à distância) deve ser considerado. E deixou outra ressalva: “Se o relaxamento dos contactos na sociedade prosseguir após a abertura das escolas, temos segunda onda mesmo que os contactos entre os jovens diminuam. Não bastaria que alterássemos radicalmente o comportamento dos jovens. Requer que a sociedade mantenha comportamentos muito exigentes”, defendeu, sublinhando que será necessário reduzir contactos de proximidade, manter o distanciamento físico e evitar grupos de não coabitantes. Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas, a redução de contactos a um terço não será possível com o regresso das aulas em ensino presencial, e aponta várias dificuldades. “O número de professores tinha de ser o triplo e isso é impossível”, afirma ao i.

Nas projeções do modelo desenvolvido pela FCUL, os investigadores partem do pressuposto de que, atualmente, os portugueses têm os seus contactos reduzidos a metade do que era habitual antes da pandemia. Se as escolas abrirem com os contactos dos alunos em níveis idênticos ao que existiam antes da covid-19, o modelo projeta uma subida das hospitalizações que se acentua a partir de novembro. Não foram apresentados números absolutos nem para as hospitalizações nem para o total de infeções.

Na parte da sessão dedicada ao regresso às aulas, Carla Nunes, investigadora da Escola Nacional de Saúde Pública, apresentou um balanço do que está a acontecer nos diferentes países, sublinhando que existe uma grande heterogeneidade nos planos de contingência definidos a nível europeu. Nos países nórdicos, por exemplo, não é obrigatório o uso de máscara. Já França optou por encerrar temporariamente escolas que apresentem três casos de covid-19. Em Portugal, a posição da Direção-Geral da Saúde é que as escolas só deverão ser encerradas em casos extremos. A especialista sublinhou que o risco existirá não só nas escolas, mas pelo contexto de convívio entre as crianças e também dos pais, e admitiu que escolas que estejam em contextos com uma incidência mais elevada de casos poderão ter regras mais apertadas do que escolas em contextos de baixa incidência. Até aqui, o Governo não apontou para uma abertura faseada das escolas, o que foi seguido em alguns países. Por exemplo, no Uruguai abriram primeiro as escolas de meios rurais. Na Alemanha e nos EUA foi adiada a reabertura das escolas nas comunidades com maior incidência. Já o Canadá optou por organizar o ensino em grupos em espelho, com aulas presenciais e à distância. Dos 134 países que fecharam as escolas por causa da covid-19, 105 já as abriram ou irão abri-las muito em breve, indicou também Carla Nunes, chamando ainda a atenção para que será difícil isolar o efeito da reabertura das escolas na evolução da pandemia.