Como a vida mudou em seis meses

Como a vida mudou em seis meses


Portugal registou os primeiros casos de covid-19 no dia 2 de março. Em seis meses, os portugueses viveram o primeiro estado de emergência em democracia, o confinamento e o desconfinamento, o teletrabalho e as amizades à distância. Testemunhos de como a vida mudou de um momento para o outro, de quem nunca parou de trabalhar,…


Ângela Mara Neves, 40 anos, farmacêutica

"Estávamos todos contra a covid-19, mas esquecemo-nos de ser humanos"

Tinha passado apenas uma semana desde o fim da licença de maternidade quando Ângela Mara, farmacêutica, se viu no meio do turbilhão da covid-19. Com um bebé de cinco meses e uma filha de cinco anos, podia ter optado por ficar em casa, mas pensou que era ali, ao balcão da parafarmácia Helénica, na Amadora, que fazia falta. “Achei que o país não podia parar. Se os profissionais de saúde, os padeiros, tantos outros trabalhadores essenciais ficassem em casa, não íamos conseguir passar por isto”. Primeiro veio a corrida ao álcool, às máscaras, ao paracetamol, e os preços dispararam, à falta de produto no mercado. “Cheguei a vender um litro de álcool-gel a 26 euros, agora está a sete. Até me sentia mal, mas não havia mais barato”, recorda, ao mesmo tempo que lembra como o receio e o estigma falaram mais alto nos primeiros tempos. “Cheguei a ter pessoas que diziam que vinham comprar álcool mas era para assar chouriço, não tinha nada a ver com a covid-19. Entregava um saco e as pessoas quase o recebiam a tremer”, conta. Outros terão optado por tratar tosses em casa sem remédios, por não quererem procurar ajuda. “Apesar de, em março, ainda se venderem geralmente muitos xaropes para a tosse, este ano, isso parou logo. Ninguém precisava de xaropes. Parece que as pessoas ficaram com receio de dizer que estavam constipadas ou com uma alergia”. Passados seis meses, com a vida um pouco mais normal, Ângela não se arrepende de ter estado na linha da frente e sente que no pico do estado de emergência fez mesmo falta. Com as farmácias a funcionar ao postigo, teve momentos em que pensou no papel que não estavam a cumprir. “Fazia-me impressão ver as filas cá fora, idosos de muletas. A certa altura, só pensava: estamos todos contra a covid-19, e bem, mas estamos a esquecer-nos de ser humanos”. Agora vem aí o inverno e os receios voltam a crescer: “Tivemos um verão bom, as pessoas habituaram-se ao distanciamento, mas quando houver a covid-19 e outros vírus respiratórios, quando qualquer tosse puder ser covid-19, será que vão continuar a vir? Vai ser muito complicado, mas o país não pode parar e não sei se as pessoas estão preparadas”. Ao balcão da farmácia, porto de abrigo de muitos, o tempo vai trazendo outras realidades: o desamparo e isolamento dos mais velhos e os problemas de ansiedade, que Ângela sente têm estado a aumentar. “Tenho muitas pessoas que me dizem: ‘Estou deprimido e ansioso e não sei porquê’. Idosos, mas também muitos jovens”.

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