Sean Connery. Bond ainda é o seu nome, mas não o único

Sean Connery. Bond ainda é o seu nome, mas não o único


O ator que pela primeira vez interpretou o agente secreto criado por Ian Fleming no cinema completa amanhã 90 anos.


Pode até ser de Ursula Andress aquela cena em que, emergindo das águas cristalinas de uma praia jamaicana com um búzio em cada mão, tanto ajudou a fazer a adaptação ao cinema de Dr. No, a primeira das muitas dos romances que escreveu em torno do agente secreto. Mas as palavras, aquelas palavras ditas a uma mesa de jogo que reverberam até hoje foram dele, Sean Connery, quando o personagem se apresenta pela primeira vez como “Bond, James Bond”. Ao fim de quase uma década de inatividade e depois de todos os atores que já passaram por ele, o homem que interpretou pela primeira vez o papel do agente secreto até hoje mais presente na cultura pop completa amanhã 90 anos sem que dele se tenha descolado alguma vez essa pele.

Não é apenas questão de ter sido o primeiro de uma lista que vai já longa de atores a interpretarem o agente secreto que Ian Fleming colocou na literatura o serviço de Sua Majestade. De uma votação levada a cabo este ano pela revista britânica RadioTimes na qual participaram milhares de leitores, Connery saiu como o James Bond preferido do público de todos os tempos. À frente de Daniel Craig, que bateu na primeira eliminatória e, na final, e de Pierce Brosnan e Timothy Dalton, contra os quais disputou uma votação final que venceu com 44% dos votos.

Mas não foi apenas Bond, Sean Connery, cujas origens contrastam com o ambiente em que se move a personagem de Fleming. Nascido a 25 de agosto de 1930 em Fountainbridge, bairro operário de Edimburgo, Thomas Sean Connery, filho de um trabalhador fabril e de uma empregada de limpezas, trabalhou como leiteiro antes de aos 16 anos se ter juntado à marinha. Trabalhou na construção, ainda como nadador salvador, venceu em 1953 o bronze no concurso de bodybuilding Mr. Universo. Foi ao inscrever-se no casting para um papel de marinheiro que deu o primeiro passo para se tornar ator, depois de ter ponderado dedicar-se ao futebol. Chegou a ser convidado para jogar no Manchester United, mas preferiu juntar-se a uma companhia de teatro nos subúrbios de Londres e a partir daí se foi fazendo ator. Primeiro em filmes de baixo orçamento, como Action of The Tiger (1957), de Terence Young, que lhe prometeu entregar-lhe um dia um papel de outra envergadura.

Foi o que acabou por acontecer poucos anos depois, quando partiu para a adaptação de Dr. No, de Ian Fleming, ao cinema. Seria apenas o primeiro de muitos, e esse ano de 1961 em que o papel lhe foi entregue (o filme estrear-se-ia em 1962) apenas o primeiro dos sete que ao longo de dez anos Connery entregou à mais marcante das personagens que interpretaria numa carreira que fez durar até à primeira década já deste século.

E difícil será olhar-se para o seu percurso sem que a personagem que inaugurou no cinema ao lado de Ursula Andress no papel da igualmente imortal Honey Ryder, a primeira das tantas bond girls que ajudam, também elas, a fazer o franchising que continua a render sucesso até aos dias de hoje. Mas Sean Connery fez-se mais do que ele, a personagem com que, nas palavras de Tom Hutchinson, numa conversa com o ator em 1971 a propósito da estreia de 007 – Os Diamantes São Eternos, realizado por Guy Hamilton, mantinha uma relação de “amor-ódio”.

Mas bem se sabe como o segundo não existe nunca sem o primeiro, e regressava então Connery nessa mesma entrevista a esse ano de 1961, quando o papel lhe foi proposto depois de Albert R. Broccoli, coprodutor, ao lado de Harry Saltzman, ter decidido propor-lhe o papel depois de o ver nas filmagens a que teve acesso para a produção da Disney Darby O’Gill and the Little People (O Senhor da Terra, no título português), de 1959: “Só tinha lido dois livros do Bond; achei o Ian Fleming muito mais interessante do que a sua escrita”.

Dizia ainda sobre o que acreditava ter sido a marca decisiva que imprimiu na transição para o cinema da personagem original dos livros de Fleming: “Graças à minha ênfase na palavra fui capaz de me distanciar da personagem original do Bond e de me livrar do fardo daquelas piadas de mau gosto que proliferam nos filmes. O primeiro realizador [de Dr. No, filme inaugural do franchise 007], o Terrence Young, e eu trabalhámos muito a personagem para chegar a algum humor: certamente não está nos livros que li”. E acrescentava nessa altura em que regressava ao papel depois de George Lazenby o ter interpretado sem o mesmo sucesso: “O pobre do Lazenby não conseguiu fazê-lo porque não tinha a experiência”.

Conta-se que andavam os dois, Connery ao lado de Terence Young, pelas ruas com o ator encarnando a personagem, que entravam em restaurantes caros o suficiente para serem o tipo de restaurante em que Bond jantaria. “O Terence insistia paraque o Seandormissecomo seu fato Savile Row, para que fosse capaz de o usar com a naturalidade e a indiferença associados ao Bond”, recorda o coordenador de duplos Bob Simmons, citado na página que o franchise 007 dedica ao eterno ator de Bond

Depois desse primeiro 007, Connery voltou a ser Bond por outras seis vezes. Mas ainda muito lhe estava reservado para os anos seguintes, sobretudo na década de 1980, em que venceu um Óscar de Melhor Ator Secundário pela sua participação como Jim Malone, ao lado de Kevin Costner e Robert De Niro, em Os Intocáveis (1987), de Brian de Palma. Pelo mesmo papel venceu ainda um Globo de Ouro. Em 1988 venceria o BAFTA de Melhor Ator por O Nome da Rosa, de Jean-Jacques Annaud. Já na década de 1990, também nos Globos de Ouro foi distinguido com o prémio Cecil B. DeMille por uma carreira que na totalidade foi também distinguida pela Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Films em 1995 e pelo American Film Institute em 2006.