Adam
De Maryam Touzani
Com Lubna Azabal, Nisrin Erradi, Douae Belkhaouda, Aziz Hattab e Hasnaa Tamtaoui
Um dia, quando regressou a Tânger, a sua cidade, depois de terminados os estudos universitários, uma mulher bateu à porta de casa dos seus pais à procura de trabalho. Estava grávida, sozinha, e a lei marroquina considerava ilegais as crianças nascidas fora do casamento. “Os meus pais não conseguiram conceber [a ideia] de a deixar ir naquele estado, especialmente porque a maioria das mães solteiras acabam por dar à luz em condições terríveis. Ficou connosco até dar à luz e foi com ela dar a criança para adoção uns dias depois porque acreditava que não tinha outra escolha”, contou Maryam Touzani à Variety pela altura da estreia da sua primeira longa-metragem em Cannes, na qual regressou à história dessa mulher a que na ficção dá o nome de Samia (Nissrine Erradil), uma mulher que, como aquela que Touzani conheceu há anos e como haverá outras, percorre grávida as ruas da parte velha de Casablanca à procura de mais do que um trabalho, de um teto, e de mais do que um teto, de um lugar seguro para uma mulher num “estado” inaceitável aos olhos da sociedade marroquina. E não se passa noutro tempo Adam: é a Casablanca destes dias que se vê do balcão da confeitaria pelo qual a câmara espreita para a rua. Não fosse isso e não se localizaria no tempo esta história que a jovem cineasta marroquina transforma na ficção como uma história de mulheres:a de Samia e a de Abla (Lubna Azabal), que a custo a acolhe na casa que desde a morte do marido divide apenas com a filha (Douae Belkhaouda). E não será apenas Samia que se liberta pelo nascimento do filho. Também Abla renascerá nesta história que se faz política por aquilo que é: um grito pelas mulheres – e pelas mulheres marroquinas.
A terra do mel
De Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov
Com Hatidze Muratova, Nazife Muratova, Hussein Sam e Ljutvie Sam
Hatidze é criadora de abelhas selvagens, uma das últimas da Europa. Foi em Bekirlija, uma aldeia remota nas montanhas macedónias, um lugar aonde não chegam água canalizada e eletricidade, aonde não se esperava que pudesse chegar o capitalismo, que os cineastas macedónios Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov a conheceram. Levou-os ali um projeto para uma curta-metragem documental sobre a região em torno do rio Bregalnica, mas isso foi até terem conhecido Hatidze, de ascendência turca, à qual dedicariam um documentário para o qual filmaram mais de 400 horas. Enfrentando uma pobreza extrema com uma mãe cega e de 85 anos a seu cargo, Hatidze sabe que às abelhas pode retirar apenas metade do mel: a outra metade deve ser-lhes deixada para seu sustento. As regras explicá-las-á à família de Hussein, um agricultor nómada que se instalará na aldeia e que passará, desse mel que vão vender a Skopje, a capital, a mais de quatro horas de distância, a tirar também ele o seu sustento. Um dia, pressionado pela elevada procura do mel, Hussein julgará poder desrespeitar essas regras, o que terá consequências nefastas para Hatidze, que, já sem a mãe, segue sozinha em Bekirlija. Estreado em Sundance e depois nomeado em simultâneo para os Óscares de Melhor Documentário e Melhor Filme de Língua Estrangeira, A Terra do Mel, que chega agora às salas, é, mais do que um retrato etnológico de um lugar numa Europa remota, um documento sobre a sobre-exploração dos recursos naturais, a ameaça à biodiversidade e as alterações climáticas causadas pelo consumismo e o avanço do capitalismo sobre a natureza.