Como mostram os números do PIB, estamos num penhasco económico.
Quanto mais durar a crise pandémica, quanto mais demorar a descoberta de uma vacina eficaz, maior será a dimensão da destruição da riqueza, maior será o tamanho da explosão da dívida pública (e o fardo hipotecário para as gerações do futuro), maior será o abalo no mercado de emprego e mais imprevisíveis serão as consequências sociais e políticas.
Os especialistas recorrem a formas gráficas para nos elucidarem sobre o tipo de recuperação que pode apresentar-se à nossa frente. Em extremos opostos temos os que acreditam que a forma da recuperação económica se assemelha a um “V”, uma quebra rápida do produto a que se segue uma rápida aceleração, ou a um “L” – a economia não regressa aos níveis pré-crise. Entre as opiniões dominantes encontramos os que projetam uma curva de recuperação semelhante a um “U”, mais lenta do que em “V”, e, crescentemente, os que preveem oscilações económicas em “W” – os mercados sobem e descem em virtude dos surtos pandémicos e da incapacidade de controlar o vírus – ou em swoosh, que representa uma retoma mais lenta do que em “V” mas mais rápida do que em “U”.
São cenários teóricos que dependem da nossa curva de aprendizagem sobre a doença, da descoberta de uma vacina e da resistência dos tecidos económicos nacionais.
Portugal tem, neste particular, um dificílimo caminho à sua frente. Quando olhamos para os setores mais afetados pela pandemia em todo o mundo – turismo, bem-estar, serviços, transportes –, percebe-se que a pandemia atingiu o coração do desenvolvimento do nosso país nos últimos anos. Além de ter contribuído muitíssimo para as exportações (e, por essa via, para o menor desequilíbrio da nossa balança de pagamentos), o turismo foi dos setores que mais emprego criaram. Milhares de restaurantes, de hotéis, de provedores de serviços turísticos estão agora em extraordinária dificuldade. Durante anos, o turismo e as novas empresas no setor exportador mascararam a debilidade estrutural do mercado interno: as empresas têm falta de massa crítica, falta de escala, falta de liquidez, falta de concorrência e, não raras vezes, uma falsa dimensão de grandeza, garantida por rendas às quais o Estado fecha os olhos.
E se o diagnóstico da estrutura económica é preocupante, ele não melhora quando olhamos para a estrutura organizativa do país. Por nunca ter sido capaz de abraçar o mínimo esforço de mudança, atado nos corporativismos, numa estrutura intermédia pouco qualificada e bloqueada perante a mudança, o país nunca se reformou, nunca se repensou. Resultado: está mais impreparado para absorver os choques do mundo hiperglobalizado, no qual o progresso económico já não é medido em saltos, mas em curvas de disrupção contínua.
Qual é o horizonte estratégico de Portugal? Onde queremos estar daqui por dez anos? Em que setores de atividade económica queremos ser melhores do que os melhores? E, sabendo que não pode fazer tudo para todos, quais são as funções das quais o Estado não pode demitir-se? Qual o nível de fiscalidade que estamos dispostos a suportar para ter esses serviços? E quais desses serviços podem ser deixados à iniciativa privada garantindo que ninguém é excluído?
Estas e outras questões deveriam ser objeto de profunda reflexão nacional.
Podemos concordar ou não com António Costa Silva. Mas a sua proposta tem, pelo menos, o mérito de nos pôr a pensar sobre o assunto. O seu documento é uma base de partida para refletirmos sobre o país que queremos – e quanto estamos dispostos a pagar por ele. E estaremos desde logo de acordo num pressuposto: não podemos deixar a recuperação da crise apenas e só nas mãos invisíveis do mercado. Precisamos do Estado – tanto quanto precisamos do mercado. Não precisamos certamente do Estado sorvedouro de recursos da economia e dos cidadãos. Não precisamos do Estado bom cobrador de impostos e péssimo prestador de serviços. Não precisamos do Estado que asfixia o indivíduo, precisamos de um que reconheça e pratique o personalismo. Não precisamos do Estado centralizador e mau gestor.
Mas de que Estado precisamos nós, então?
Em primeiro lugar, precisamos de um Governo que aponte um horizonte estratégico aos operadores económicos. Quando olhamos para as maiores empresas do mundo, vemos sobretudo negócios ligados à economia digital. Para além da Amazon, da Alphabet ou da Apple, mesmo grandes complexos industriais – como a Siemens ou a General Electric ou a Rolls Royce – são hoje, sobretudo, prestadores de serviços e consultoria de dados. Há um padrão: a economia de futuro é a economia digital. É esse caminho que o Governo tem de apontar à sociedade, sob pena de o país ficar ainda mais para trás na liga das nações.
Em segundo lugar, e para sermos consistentes, é crucial que o Estado adapte a sua infraestrutura a esta nova realidade. A inteligência artificial, a internet das coisas e o blockchain serão as forças dominantes das nossas relações económicas e sociais do amanhã – ocupando o lugar que ainda hoje é das redes sociais, dos smartphones e da cloud. A par da infraestrutura, é crítico que se dê poder às nossas escolas e universidades para recrutarem os melhores professores em todo o mundo e liberdade para adaptarem os seus programas a esta nova realidade em constante mutação. Temos de treinar os nossos jovens para a mudança desde cedo. Quem não souber gerir a mudança não será bem-sucedido na batalha pela prosperidade. Olhando para dentro de casa, este princípio de adaptação da mudança tem de ser aplicado a todas as estruturas do Estado, hoje incapazes de competir com o privado pelo melhor talento disponível. A função pública e as estruturas intermédias têm de ser, cada vez mais, um lugar para os melhores dos melhores.
Em terceiro lugar, é bom que o Estado olhe para as suas forças internas. As autarquias podem e devem ser um motor para a saída da crise. Por terem dimensão laboratorial, podem ensaiar soluções mais tarde aplicáveis no todo nacional. Por estarem mais próximas dos problemas, mais rapidamente e com mais agilidade respondem à mudança. Mais do que isso: o Estado é dono de patrimónios que não conhece e não rentabiliza. Tem o condão de transformar ativos em passivos. Deixam de gerar receita para apenas contribuírem com despesas.
Dou o exemplo de Cascais: entre fortes, batarias de costa e até um autódromo internacional, os dedos de duas mãos não chegam para contar os ativos que o Estado tem em condição de abandono neste território. Por via da captação de investimento, da requalificação patrimonial e da constituição de novas cadeias de valor e de emprego, quanto poderia ganhar o Estado se tivesse os fortes abertos ao público e culturalmente dinamizados? Quanto poderia ganhar o Estado com um Circuito do Estoril pujante?
Imaginem este princípio replicado por todas as cidades de norte a sul do nosso país. São muitas centenas de milhões de euros perdidos, muitos empregos adiados.
É urgente que o Estado central confie no Estado local. Como estamos é que não pode ser: não só o país deixa de ganhar como ainda perde dinheiro todos os dias.
E, numa crise como esta, o desperdício de valor é um luxo a quem ninguém se pode dar. Qualquer que seja o gráfico dos especialistas, a forma da nossa recuperação económica depende muito do que quisermos ser e fazer.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira