Quando pensamos no crime organizado mexicano, provavelmente vemo-lo como uma espécie de oleoduto que canaliza droga para os Estados Unidos, com outras atividades como tráfico humano, extorsão e sequestro pelo meio. Mas José Antonio Yépez Ortiz, de 40 anos, conhecido como “El Marro”, ou “A Marreta”, tinha em vista oleodutos mais literais: foi detido este domingo, acusado de ser o rei do tráfico de combustível no México, roubando o equivalente a milhares de milhões de dólares da Petróleos Mexicanos (Pemex), a petrolífera estatal – a prática dá pelo nome de huachicoleo. Ortiz lidera o cartel de Santa Rosa de Lima, sediado em Guanajuato, no centro do país, e está a meio de uma guerra sangrenta com o poderoso Cartel Jalisco Nueva Generación (CJNG). Foi notícia pelo mundo fora, quando declarou guerra ao Estado mexicano, divulgando um vídeo seu a chorar após a detenção da sua mãe, Maria, junto com a irmã e a prima. Nesse mesmo dia, a 20 de junho, iniciou-se uma onda de homicídios, bloqueios de estradas e incêndios que paralisaram Guanajuato, em tempos um dos estados mais pacíficos do país, hoje dos mais violentos, com uma média de cerca de dez homicídios por dia.
O vídeo prova que até um criminoso tão brutal como “El Marro” – a quem se atribui o homicídio de pelo menos três polícias após a detenção da mãe – pode ter coração. “Entre cabr*es não tem problema, mas essas são confusões com as mulheres”, disse Ortiz, quebrando num pranto. Temia que a detenção das suas familiares, acusadas de gerir os lucros do cartel de Santa Rosa de Lima, fosse a mando dos seus rivais, e que estas fossem um alvo fácil na prisão. Uma semana depois de se iniciarem os ataques do seu cartel, as mulheres foram libertadas por falta de provas, após um juiz considerar que a detenção foi ilegal e a família sujeita a tortura psicológica – nesse mesmo dia, o advogado dos Ortiz foi perseguido e abatido a tiro no seu carro.
“Não me recordo que um chefe criminoso tenha enviado alguma vez uma mensagem aos seus colaboradores com a voz quebrada e os olhos banhados de lágrimas”, estranhou na altura o jornalista Héctor de Mauléon, no El Universal. Mas “El Marro” estava a ter uma semana particularmente má: só nos três dias anteriores, entre detenções e homicídios do Cartel Jalisco Nueva Generación, perdera mais de 50 homens. E tinha dificuldades a pagar aos outros, após muitas das suas contas serem congeladas. “Ainda que me deixem sozinho como a porra de um cão, vou morder”, prometeu.
E fê-lo, mas não por muito tempo. Num vídeo posterior, Ortiz ainda ofereceu uma aliança ao infame cartel de Sinaloa, em tempos dirigido por “El Chapo”, também adversário do CJNG, mas acabou detido na madrugada de domingo, nos arredores da aldeia de Franco Tavera, cujos habitantes eram bem pagos para servir de vigia, segundo o jornal local La Silla Rota. Na operação policial foram capturados cinco dos cúmplices de El Marro e resgatada uma empresária raptada. “Tudo tem um princípio e um fim. E o meu já chegou”, disse o senhor do crime derrotado aos investigadores, segundo o El Universal.
Hubris
“Deixo-te aqui uma prendita na minha refinaria”, lia-se numa mensagem endereçada ao Presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador. Fora deixada junto de uma bomba, à porta da refinaria de Salamanca, em Guanajuato, a segunda maior do país. A mensagem estava assinada pelo cartel de Santa Rosa de Lima, que exigia o fim do combate ao huachicoleo, ou iam “começar a matar gente inocente”. Era 31 de janeiro e El Marro estava no pico do seu poder: parece que foi há uma vida inteira atrás.
Além dos esquemas de extorsão e sequestro habituais no México, o cartel de Santa Rosa de Lima controlava o chamado “triângulo das Bermudas”, onde passam os oleodutos vindos da refinaria de Salamanca, que levam combustível ao longo de todo o México. A coberto da noite, os tubos eram furados e colocadas mangueiras, um crime incrivelmente rentável: as operações mais sofisticadas conseguem extrair gasolina num valor equivalente até 75 mil euros em apenas sete minutos, com os cartéis a pagar menos de 35 euros por dia a cada huachicolero, estimou o Atlantic Council.
Talvez o grande pecado de José António Ortiz – para lá dos seus crimes, claro – tenha sido o orgulho. Não precisava de ter caído assim. É que a sua operação não competia diretamente com a dos reis das metanfetaminas, do Cartel Jalisco Nueva Generación, mas fica mesmo no meio do caminho. A DEA pensa que o CJNG controla portos no Pacífico, como Manzanillo, Lázaro Cárdenas e Acapulco, onde entra a droga, mas no norte, junto à fronteira, mandam os narcos de Sinaloa. O CJNG controla apenas a cidade de Reynosa, próxima do Atlântico: a rota mais rápida é pela autoestrada, que atravessa Guanajuato.
O líder do CJNG, Nemesio Oseguera, ou “El Mencho”, conhecido pelo seu sadismo, até pelos padrões dos senhores da droga, ainda tentou resolver as coisas a bem. Em 2017, enviou o seu sobrinho ao encontro do cartel de Santa Rosa de Lima, propondo que mantivessem o seu esquema, que não interessava ao CJNG, mas lhes cedessem livre conduto. “A conversa não acabou bem”, lê-se no Milenio. Ortiz, que aprendeu o negócio nas fileiras do impiedoso cartel dos Zetas, não aceitava ordens de ninguém, e mandou matar o sobrinho de “El Mencho” ali mesmo, no café onde se encontraram.
O assassinato foi um erro enorme, o inicio do fim para o rei do tráfico de gasolina, entalado entre o Cartel Jalisco Nueva Generación e as forças de segurança. A sua detenção é uma vitória de que Obrador bem precisava, numa altura em que é acusado de não ser duro o suficiente com o crime organizado. Foi eleito prometendo a estratégia “abraços, não balázios”, e propõe-se a reduzir a pobreza e aumentar os apoios sociais para reduzir o crime. Algo muito diferente da estratégia dos seus antecessores, que priorizavam a captura da liderança dos cartéis.
Aliás, menos de 24 horas depois da captura de “El Marro”, o seu pai e o seu irmão já se chegavam à frente para liderar os restos do cartel de Santa Rosa de Lima, segundo relatórios das forças armadas, vistos pelo El Universal. E para continuar a sua sangrenta guerra com o Cartel Jalisco Nueva Generación, que tornou Guanajuato num campo de batalha.