Empresários da noite “em luto” não calam revolta contra o Governo

Empresários da noite “em luto” não calam revolta contra o Governo


A contestação sobe de tom. Há empresários  da noite que defendem a realização de uma mega manifestação contra as medidas do Governo. Entretanto, bares de Lisboa servem “refeições” criativas depois das 20h00. 


A hashtag “#noiteemluto” tem vindo a espalhar-se pelas redes sociais, nas últimas horas, ao ritmo da revolta dos empresários da noite pelas novas regras do Governo para os bares e discotecas. O ambiente de contestação crescente promete endurecer as formas de luta e há quem insista na necessidade de se sair à rua para dar corpo ao descontentamento, através da realização de uma mega manifestação que possa juntar os profissionais do setor de todo o país, apurou o i.

Em causa, estão as condições que permitem aos espaços de diversão noturna voltarem a reabrir este mês, passando a funcionar com as mesmas regras dos cafés e pastelarias, sem pista de dança e com horários apertados: podem estar abertos até às 20h00, em Lisboa, e até à 01h00, no resto do país (embora, nestes casos, os clientes só possam entrar nos estabelecimentos até à meia-noite).

A medida – anunciada no final do Conselho de Ministros da última quinta-feira – foi recebida com perplexidade e desalento por um setor desesperado pela falta de receitas e respostas, depois de quase cinco meses de portas fechadas. E nem os argumentos da ministra Maria Vieira da Silva, que justifica a decisão com “o elevado risco de contágio” nestes espaços parecem acalmar milhares de empresários e funcionários. Na sequência do anúncio, muitos empresários assumiram que preferem mesmo não reabrir com estas condições. 

É o caso de Liberto Mealha, presidente da Associação de Bares e Discotecas do Sul e do Algarve (ADSA) e dono da discoteca Kiss, em Albufeira, que considera que “estas novas medidas não fazem sentido nenhum”. “São horários incompatíveis. É completamente inviável pôr uma discoteca a funcionar até à 01h00, e muito menos pô-la funcionar como um café ou uma pastelaria. Não dá para nada”, afirma.

Liberto Mealha acusa o Governo de olhar para o setor “como se fosse um patinho feio”, e de não encontrar soluções para evitar uma avalancha de falências e despedimentos: “A situação é grave a nível nacional, mas ainda pior no Algarve, uma vez que a atividade na região é sazonal, e termina em setembro. Só espero que quem tome estas decisões tenha consciência da situação e encontre forma de compensar o setor”, acrescenta. Como? O empresário não tem dúvidas que a solução terá “obrigatoriamente de passar por subsídios a fundo perdido”. “Caso contrário, muitos empresários não vão aguentar esta crise, e muitas empresas vão fechar e milhares de trabalhadores vão para o desemprego”, refere ao i.

João Magalhães, dono da discoteca Bliss, em Vilamoura, também decidiu não reabrir. “Já anunciámos a nossa decisão. É totalmente impossível reabrir nestas condições”, diz. O empresário não é brando nas críticas ao Governo, considerando que todo o processo tem revelado “uma grande falta de respeito pelo setor dos bares e das discotecas”. “Estiveram cinco meses sem dizer uma única palavra, para depois fazerem este anúncio…”, lamenta. 

Ao i, João Magalhães classifica o decreto do Governo como “descabido”, adiantando que era melhor solução optar por medidas de apoio específicas para o setor. “É tudo tão incoerente, que, sinceramente, mais valia não terem anunciado nada. Era preferível dizerem que o risco de contágio nestes espaços é elevado e arranjarem-nos um subsídio para nos mantermos fechados, evitando as falências”. 

Esse risco, porém, existe. E nem o proprietário de uma das mais populares discotecas da noite algarvia escapa. “Para atividades excecionais, têm de existir medidas excecionais. O Governo tratou sempre os bares e discotecas de forma diferente dos outros. Obviamente, que não há nenhum negócio no mundo que consiga aguentar cinco meses consecutivos sem ter receitas. A revolta é muito grande, e enquanto não forem dadas respostas credíveis e efetivas a situação não vai melhorar”, garante.

Comida para “enganar” o estômago. “Traga-me uns pastelinhos de camarão, muito fresquinhos/ pastéis de camarão não temos/ Então, dê-me dois copinhos de vinho branco”. O (inesquecível) diálogo ao balcão do clássico do cinema português “O Pai Tirano” leva quase oito décadas, mas não poderia encaixar melhor na atualidade. É que, neste momento, em Lisboa, a partir das 20h00, não há vinho branco ou qualquer outra bebida alcoólica que possa chegar às mesas sem que seja acompanhada por uma refeição ou, pelo menos, um snack para “enganar” o estômago.

Os bares e discotecas da capital que optaram por recorrer à alteração da sua certidão comercial através do Licenciamento Zero, uma iniciativa do programa Simplex que permite tornar mais fácil a abertura de negócios através da eliminação de pareceres prévios, licenças ou vistorias – passando a ter estatuto de restaurante, e assim poder estar a funcionar até à 01h00 -, só podem servir bebidas alcoólicas a partir das 20h00 se acompanhadas por uma refeição. Mas há espaços que não têm essa opção, e têm vindo a optar por servir apenas rissóis, croquetes ou pastéis de nata, uma vez que as regras do Governo não especificam, efetivamente, o se entende por refeição. 

Entretanto, bares e discotecas de todo o país têm usado da ironia para criticarem a medida do Governo. A discoteca Lux Frágil, em Lisboa, reagiu à decisão do Conselho de Ministros anunciando na sua conta do Facebook que “há caracóis” na casa. E há relatos de quem só possa desfrutar de um copo de cerveja ou de vinho numa esplanada se o pedido incluir bolos de pastelaria.

E até no espetáculo de humor "Recreio", que juntou, na semana passada, no Estádio do Jamor, nomes como Bruno Nogueira, Miguel Esteves Cardoso ou Eduardo Madeira, o copo de cerveja obrigava sempre à compra de batatas fritas ou pão com chouriço, pois a noite já havia caído.