“Estou pacientemente à espera que este efeito passe”. E vem outra voz, na verdade a mesma, a de Gisela Casimiro, responder: “Eu também. A mais de 600 quilómetros de distância, mas ainda sob o efeito”. A distância que durante o confinamento se deixou de medir em quilómetros, a distância que passou a imposição constante. Como é que nos relacionamos com o espaço, como é que nos relacionamos entre nós, como é que nos relacionamos connosco? A ideia para “Fazer de casa labirinto” nasceu, como se adivinha, durante o confinamento para que a pandemia de covid-19 empurrou em simultâneo todo o mundo. Não será apenas uma exposição, será também um livro e um conjunto de ações performativas. Mas o primeiro capítulo desta reflexão de nove artistas convidados por Ana Cristina Cachola e Sérgio Fazenda Rodrigues para trabalhar sobre o tempo que era o tempo que viviam, do lugar que era o lugar a que estavam confinados, sobre eles próprios, artistas, cidadãos, seres humanos confinados, como todos, às suas casas acaba de ser inaugurado e pode ser visto até setembro na Balcony Gallery, em Alvalade, Lisboa.
Quando se chega a “Efeito” e “Estado”, as duas instalações sonoras de Gisela Casimiro (a primeira, uma “declaração de amor proibido no Messenger do Facebook”, a segunda, “quarentena para um post de muitos” num feed de Instagram e Facebook, duração: “mais do que devia”) já se desceram umas escadas, já se deixou para trás um início em que a incerteza e o vírus nos bombardeiam com a violência que bombardearam por semanas (meses?), que talvez continuem, ainda que mais silenciosamente, a bombardear-nos ainda.
Basta sentir-se a presença de “Virus”, de Nuno Nunes-Ferreira. Não mais do que um loop de capas de jornais gravitando em torno de uma palavra –vírus – e com o outro lado da violência da pandemia – a ausência – representado pela gravação de uma das reuniões de Zoom em que ao longo da preparação de “Fazer de casa labirinto” foram dialogando artistas e curadores. Mas com as câmaras desligadas, o sistema em que os professores têm sido em muitos casos obrigados a dar as suas aulas, como explica Ana Cristina Cachola, ela própria professora universitária. “Estás literalmente a falar para uma parede, não tens nenhum tipo de comunicação do outro lado. “Isto é o outro lado da violência, literalmente”. A violência da ausência, a ausência com que todos aprendemos a conviver durante a pandemia.
Mas não se entra na Balcony sem que se seja quase forçado a encontrar um ponto de passagem segura por entre a parede de fios em que Sara Mealha coloca em suspenso um conjunto de obras em caneta de feltro sobre papel – “E agora?”. Título, inscrição, pergunta a ecoar no interior de cada um. Pergunta que permanecerá assim, sem resposta num tempo que não se faz propício a elas. “Não estamos a tentar tirar conclusões, estamos apenas a tentar olhar, a fazer uma espécie de diagnóstico que nem sequer é muito completo daquilo que cada um de nós está a vivenciar neste momento. Aquilo que cada um de nós vivencia tem muito em comum em vários pontos, então estamos a tentar perceber como é que isso se cruza”, explica Sérgio Fazenda Rodrigues. “Passámos do momento em que o discurso deixou de ser sobre pensar o futuro suspenso para aquilo que é o presente suspenso”, acrescenta Ana Cristina Cachola. “E há muitas ideias de suspensão, tanto visualmente como sonoramente, presentes na exposição”.
Como no lugar de que começámos: embalados pela voz de Gisela Casimiro à entrada da cave onde se hão de encontrar as obras de Carla Cabanas em diálogo com uma evocação do espaço doméstico de Susana Mendes Silva, o “de casa” (a partir de) de onde retomou, em tempos de covid-19, o seu projeto “A bedtime story” em que, a pedido, nos telefona para nos contar uma história para adormecer, e que, depois de passado o mosaico de obras de mais um capítulo de “I don’t trust myself when I’m sleeping”, de Carla Cabanas, desembocará na viagem idílica ou nem por isso, como foram as paisagens das cidades durante o confinamento, de Henrique Pavão na instalação de vídeo “Junkspace not Always Recovers from You”.
Todas elas são obras inéditas, obras construídas durante a pandemia para esta exposição, à qual em setembro se juntará também um livro, resultado de um apoio do Fundo de Emergência Social para a Cultura lançado pela Câmara de Lisboa como forma de apoiar o setor artístico que, paralisado durante o confinamento, regressa agora aos poucos à atividade. “Aquilo sobre o que nos interessou refletir organizava-se principalmente em três vetores: a relação com o coletivo, com a esfera da cidade ou com o espaço do conjunto que todos habitamos, a transformação da relação com o o espaço quotidiano, o espaço doméstico e próprio corpo”. Quanto ao labirinto, Sérgio Fazenda Rodrigues descarta a ideia de labirinto tradicional “com um ponto de entrada e um ponto de saída”, prefere pensar em “qualquer coisa tridimensional, numa lógica de sobreposição”. “O sistema cultural também é um todo”, completa Ana Cristina Cachola. “acabamos por estar sempre num labirinto que se tornou mais intrincado com a viragem pandémica”.