Quando em 2019, à sua 13.ª edição, o MOTELx decidiu tomar como tema o fim do mundo, a questão eram as alterações climáticas, a crise, a crise ambiental, e estaria o mundo, todo o mundo, longe de imaginar que uma espécie de fim de mundo se avizinhava. No cinema, dificilmente se imaginaria que pudesse ocorrer um ano como este: um ano em que, desde que a pandemia atingiu a Europa para se alastrar depois para a América, os festivais de cinema, de maior ou de menor dimensão, acabassem um pouco por toda a parte cancelados. Talvez haja tempo ainda por Lisboa, antes que uma temida segunda vaga nos apanhe, para regressarmos a eles – aos festivais.
Com o IndieLisboa adiado da primavera que passou para o final do mês de agosto, em início de setembro é tempo de regressar ao MOTELx. Ainda que não se faça apenas dele, haverá melhor ano para celebrar o cinema de terror do que este que “parece tirado de um filme de género”? A verdade é que neste ano que “o caos em que lançou o planeta está longe de uma resolução”, como afirma a direção do festival no texto que introduz a programação desta edição, em que festivais de cinema a decorrerem fora de plataformas de streaming se assemelham quase a uma realidade distópica, o MOTELx regressa, entre os dias 7 e 14 de setembro, ao seu local de sempre: o Cinema São Jorge, em Lisboa. Antes disso, não se perdem também por causa da pandemia os habituais eventos de warm-up para o festival, entre os dias 3 e 5 de setembro, entre o Convento São Pedro de Alcântara e o Largo Trindade Coelho.
Não é o único motivo pelo qual se orgulha a direção do festival que a esta 14.ª edição anunciou, na terça-feira à noite, uma programação “que contará este ano com um número recorde de filmes de terror feitos por mulheres”. Entre a programação já anunciada contam-se por exemplo Relic, da australiana Natalie Erika James, e Saint Maud, da britânica Rose Glass, dois filmes que dialogam entre si pelo tema da doença mental como pano de fundo, aos quais se juntam o filme argentino The Intruder, de Natalia Meta, e a produção alemã The Trouble with Being Born, de Sandra Wollne, ambos estreados no último Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro passado. Haverá ainda na programação espaço para obras como First Love, do japonês Takashi Miike, e Scream, Queen! My Nightmare on Elm Street, um documentário sobre a forma como a sequela de A Nightmare on Elm Street destruiu a carreira de ator de Mark Patton pelo seu subtexto gay.
Racismo, terror e Pedro Costa Num ano que está a ser também marcado pela questão do racismo, o MOTELx coloca-o em perspetiva em “Pesadelo Americano: Racismo e o Cinema de Terror”, uma secção focada na ilustração do racismo no cinema de terror norte-americano, “um género importantíssimo na representação da comunidade afro-americana” já que, lembra o festival, foi no clássico de George Romero Night of the Living Dead (1968) que pela primeira vez um papel de protagonista foi entregue a um ator negro – Duane Jones.
Depois do sucesso que obteve em Locarno em 2019 com o seu mais recente filme, Vitalina Varela, também Pedro Costa terá o seu lugar de destaque no 14.º MOTELx. Cineasta que filma “as trevas de forma tão expressiva e misteriosa” como nenhum outro, justifica a direção que lhe dedica a secção Quarto Perdido deste ano. Sob o título, “Pedro Costa: Filmar as Trevas” serão exibidos dois dos seus filmes: Ne Change Rien, documentário de 2009 nascido da amizade com Jeanne Balibar, e Cavalo Dinheiro, a longa-metragem de 2014 que antecede Vitalina Varela.