Nascido do aborrecimento da quarentena, 20 músicos e colaboradores que fazem parte da Cuca Monga, editora fundada em 2014, Capitão Fausto, Ganso, Luís Severo, Zarco, Reis da República, Rapaz Ego, Diogo Rodrigues, Joaquim Quadros, Constança Rosado, Gonçalo Perestrelo e Isis Bernard reuniram esforços e, à distância criaram as 10 canções que fazem parte de Cuca Vida.
Estas músicas, num registo mais descomprometido, fazem transparecer a amizade e sentido de humor dos artistas resultando num trabalho divertido, mas que nem por um segundo peca por falta de qualidade.
Uma mistura eclética de estilos, línguas e inside jokes, resta perceber a origem das faixas por cada um dos seus interpretes e perceber por quem é que o Diogo 'Horse' chora no Discord.
Sem Razão por Luís Montenegro [Rapaz Ego]
É o lançar do mote, o arremesso da inatividade irrequieta e o acolher da singela neura. Um trabalho autobiográfico da raiz CUCA VIDA que se instalou na rotina de cada um, levantando o pó, arredondando a saia e dançando um tech folk numa espécie de dança que limpa a alma do mal. Foi avisado.
Tou na Moda por Miguel Barreira [GANSO]
Starter pack do arquétipo olissiponense moderno, galerista festivaleiro, erudito da passerelle e da vernissage, narcisista trágico que se manifesta tanto na indumentária, como no penteado, na dieta, no filtro escolhido para os jpegs da sua teia virtual onde cumprimenta as pessoas com o polegar oponível que o tirou das árvores, no inalar da coragem para enfrentar a urgência do sítio certo à hora certa e de dizer coisas acertadas à frente daqueles em que exerce a sua influência.
Escudo por Tomás Wallenstein [Capitão Fausto]
Em sobressalto, um acordar para mais um dia permite a oportunidade de uma reflexão. A metáfora de um soldado remete à tentativa da desmistificaçao do objectivo real da luta diária e rotineira. O nosso escudo é que nos permite continuar. A canção é transportada pelas vozes e canetas de Ferrari e Horse. Há também um escudeiro: Peres.
Celular 4 por Joaquim Quadros
Um interlúdio exemplo das falas elementares que contextualizam parte das transições e trocas de impressões entre celulares. Contexto: "celular" foi o termo definido para identificar as vulgares canções em constante mudança à medida que cada um intervinha.
Má Vontade por Madalena Tamen [Reis da República]
Não valeria a pena dizer mais que aquilo que é; mas neste país à beira-mar, nasce connosco o hábito da auto-complacência. Entretanto, fica-nos bem vestir o contragosto – a mitologia de todas as conversas e vozes afectadas – e as dores dos outros tornam-se favores que lhes fazemos. Façamos antes um favor a nós próprios e deixemo-nos de colher tempestades.
Travessia por Madalena Tamen
Nunca nos foi dado tanto tempo para pensar como nos últimos meses. Mas este compasso de espera também castigou as canções de amor. Esta música fala desse mesmo momento: quando a nossa imaginação faz sombra sobre o amor e a espera faz-se ferida, de tremores e ausência. Mas o que melhor sabe nesta canção é o alívio sentido ao ouvir-se a voz do outro lado da linha; quando o vazio desassossegado é preenchido pela serenidade das coisas que brilham, mesmo quando não as vemos.
Liberdade por Gastão Reis [ZARCO]
Um grito elegíaco, activado pelo choque do isolamento, que olha à janela à procura de uma promessa de liberdade que o leve para um sítio quente e solarengo.
Celular 8 por Joaquim Quadros
“in-ter-lú-dio: nome masculino, intermédio, diversão musical, algo que antecipa uma loucura-wack sem fim”, define o dicionário da Priberam.
Proporções Bíblicas por Joaquim Quadros
Acabou por ser a epopeia versejante, a rapsódia inevitável, o delírio lírico que vai a todo o lado mas não vai a lado nenhum (e ainda bem!). Provocações cúmplices, conceitos secretos e piadas compreendidas não mais que pelos intervenientes. No entanto, com proporções não menos que bíblicas.
Casa Andante por Gastão Reis
Canção que encara a mudança abrupta que se insurgiu contra o nosso quotidiano, entoando vozes que admitem a mudança. Narra um caminho possível, uma sugestão de travessia por entre a inércia das quatro paredes.
Amigos por Tomás Wallenstein
Da mesma maneira que a última canção traz um desfecho, sugere também que um final é sempre um início para o que vem a seguir. A música é extensa e dá lugar a todos os músicos na concretização de uma ideia fundamental: vamos sempre precisar uns dos outros. Só enquanto soubermos discordar na direcção que nos junta é que será possível escutar a voz de cada um.