Uma notícia de rodapé na semana passada anunciava que o Massachusetts Institute of Technology (MIT) tinha deixado de assinar as revistas científicas publicadas pela editora Elsevier. Depois da Universidade da Califórnia (UC) e da Sociedade Max Planck, na Alemanha, é mais um indício da alteração profunda no mundo das publicações científicas e, a médio prazo, no próprio modelo de disseminação do conhecimento científico.
A Elsevier é a maior editora de revistas científicas (cerca de 25% do mercado). O modelo de negócio é brilhante: os cientistas fazem o trabalho científico, financiado por entidades públicas ou privadas, escrevem os artigos e avaliam os artigos de forma voluntária e não remunerada, quer como editores, quer como revisores científicos. Os cientistas “autores” pressionam depois as bibliotecas das suas instituições para subscreverem as revistas científicas, em que publicam e que utilizam para o seu trabalho. Não admira que a margem de lucro da Elsevier ultrapasse a dos grandes gigantes tecnológicos.
Muitos vaticinaram que este modelo seria profundamente alterado pela internet, mas só muito recentemente, com a pressão do acesso aberto, ou seja, o princípio de que as publicações devem estar gratuitamente disponíveis para todos, se têm observado algumas alterações no modelo clássico das revistas científicas. Esta pressão foi óbvia no contexto da pandemia do coronavírus, em que todos os artigos científicos associados ao tema foram disponibilizados gratuitamente.
Em alguns casos, como aconteceu na revista científica há mais tempo editada (Philosophical Transactions of the Royal Society), as revistas estão ancoradas nas sociedades científicas (e apoiam as respetivas comunidades), mas a grande maioria são iniciativas comerciais, com retorno para a comunidade muito reduzido.
Há comunidades como a física, há quase 30 anos, em que os trabalhos são primeiro publicados sob a forma de pré-publicações em servidores abertos, para grande desconforto das editoras comerciais, e que são o embrião do movimento do acesso aberto das publicações. O pioneiro é o arXiv.org, onde são pré-publicados mais de 10 mil trabalhos por mês. Nestes servidores, a moderação por alguns dos especialistas do que é publicado é muito limitada e a revisão dos pares não existe, algo que durante muito tempo foi visto com desconfiança [1].
A revisão dos artigos por pares é um processo recente. Até meados do séc. xx, não era esta a norma. Por exemplo, Einstein publicou quase 300 artigos e, aparentemente, apenas um deles foi sujeito a revisão externa. Nesse artigo, “Do Gravitational Waves Exist?”, Einstein e Rosen chegavam à conclusão de que as ondas gravitacionais não existiam! Perante várias críticas ao trabalho, o editor solicitou a resposta dos autores; Einstein não aprovou que o editor tivesse consultado um revisor anónimo e decidiu retirar o artigo (e nunca mais publicou na Physical Review). O artigo estava, de facto, errado e a versão publicada noutra revista respondia às críticas do revisor (toda a história deste trabalho é bastante rocambolesca e descrita em detalhe em [2]).
O processo de revisão dos pares está longe de ser infalível e as mais influentes revistas científicas constroem a sua reputação com base nos pergaminhos científicos e editoriais do seu corpo editorial, algumas orgulhando-se até de que os seus editores defendem os autores de “revisores palermas”. É natural que a forte especialização e o volume de originais em todas as áreas científicas exijam uma análise fina que os editores não conseguem fazer sozinhos. Por outro lado, existe um leque tão variado de revistas que a publicação numa revista científica per si não representa nenhuma validação forte sobre a qualidade do trabalho e o seu impacto futuro. E muitos cientistas começam a questionar-se: se publicar na revista A ou B é equivalente (e demorado, sem grande valor acrescentado), porque não fazer apenas a pré-publicação num servidor público, que é significativamente mais rápido e mais imediato? E não será mais importante o trabalho em si do que a reputação da revista em que é publicado?
Com efeito, sendo impossível ler todas as revistas científicas da área de trabalho, é comum que os físicos sigam diariamente os trabalhos pré-publicados no arXiv. Muitas agências de financiamento, como o Conselho Europeu de Investigação, já aceitam as pré-publicações para efeitos de avaliação dos projetos. Cada vez mais cientistas usam as pré-publicações como instrumento para estabelecer a prioridade da descoberta. Nas áreas com desenvolvimentos muito rápidos (e.g. as ciências da computação), as revistas apenas servem de arquivo e, em geral, já não representam a forma mais prestigiante de disseminar o trabalho científico.
Será que a disseminação da produção científica com base num modelo que, na sua essência, se mantém imutável desde o séc. xvii, é o que, de facto, maximiza o impacto científico e social do trabalho realizado? Será que existem formas alternativas e mais rápidas de fazer chegar esse conhecimento a um público mais abrangente, de leigos interessados até aos especialistas? E será que as revistas científicas são o suporte ideal para transmitir o conhecimento que combina, e pode até atualizar, metodologias, dados, ferramentas computacionais, visualizações, em diferentes níveis de profundidade?
Assim, não deixa de ser sintomático que cada vez mais, como nas recentes decisões do MIT e da UC, encontremos sinais de que estamos a assistir a uma transição profunda na forma como disseminamos o conhecimento científico. Não sabemos ainda como responder a estes desafios, nem para onde nos dirigimos mas, no futuro, com certeza que iremos valorizar cada vez mais um modelo significativamente diferente, de conteúdos mais profundos e formatos mais ricos, mais diverso, mais livre e mais aberto.
[1] A publicação em revista continua a ser dominante mas a disseminação é fortemente acelerada pela pré-publicação
[2]https://physicstoday.scitation.org/doi/10.1063/ 1.2117822
Professor catedrático do departamento de Física
Presidente do conselho científico Instituto Superior Técnico