Pequenos passos para vencer as pandemias


Saúdo três iniciativas do Governo que reforçam a relação de confiança entre poder central e local.


Tenho batalhado há muitos anos pela descentralização de competências para as autarquias. Defendo um processo sério, no qual o Governo central não olhe para a delegação e para a subsidiariedade como uma forma de aliviar o seu fardo de responsabilidade, mas como um mecanismo que facilita a reorganização do Estado, que é mais eficiente, que resolve mais problemas estruturais do país e que, afinal, dá mais poder ao cidadão e presta um melhor serviço ao contribuinte.

Para lá dos benefícios implícitos da descentralização de competências, há uma dimensão menos tangível mas verdadeiramente transformadora: a da regeneração dos laços de confiança e cooperação entre as várias camadas de administração do Estado.

Por muitos preconceitos que alguns continuem a alimentar contra o poder local, é uma verdade autoevidente que as autarquias são, em cada vez mais lugares, o único Estado que os portugueses conhecem.

A crise pandémica expôs ainda mais essa centralidade do Estado local na realidade política e administrativa portuguesa.

Vejo com muito bons olhos a aproximação que o Governo tem feito a algumas propostas que têm a marca da experiência das autarquias. E não podia deixar de o referir, deixando uma palavra de reconhecimento público ao primeiro-ministro, António Costa, e ao secretário de Estado, Duarte Cordeiro.

O combate ao coronavírus é o maior teste das nossas vidas. Nenhum político no ativo estava preparado para tal coisa: aprendemos com a realidade, com os erros e com as tentativas.

E tenho a convicção de que, tirando os nossos líderes em tempos de guerra, nunca uma geração de políticos esteve tão posta à prova. Quaisquer que sejam as nossas cores, estaremos mais perto de oferecer resultados ao povo que representamos quanto mais honesta for a relação entre todos os titulares de cargos políticos.

Saúdo, por isso, três iniciativas do Governo que reforçam a relação de confiança entre poder central e local.

Em primeiro lugar, com a apresentação do Orçamento Retificativo, a retirada da cláusula-travão que colocava nos 20% o máximo de endividamento anual das autarquias. Com esta reversão, uma reivindicação há muito defendida por mim e por outros autarcas, as câmaras podem realizar mais investimento público, canalizar mais verbas para programas de combate à pandemia social e ativar mais estímulos às empresas e ao emprego. Em Cascais, o potencial de endividamento é de 250 milhões de euros, dado que temos um endividamento muito baixo. A queda do teto dos 20% aumenta para mais de 50 milhões de euros por ano o nosso horizonte de criação de nova dívida. É uma boa medida política, é uma boa medida económica e é uma boa medida financeira, porque aproveita o contexto de juros historicamente baixos para contrair ou rolar dívida. Para ficar completo, só falta o alargamento de prazos.

Em segundo lugar, esteve bem o Governo, por intermédio de Duarte Cordeiro, que para além de secretário de Estado é o coordenador regional no combate à pandemia, ao afrontar uma das maiores debilidades do Estado no combate ao vírus: a gestão dos dados.

Como foi público, a dada altura impôs-se uma lei da rolha. Os autarcas, que estavam na linha da frente no combate ao vírus, ficaram no fim da linha quando se tratava de receber dados das autoridades de saúde. Ora, eu acredito que sem bons dados não pode haver boa decisão política. Pior do que isso: sem um bom sistema de métricas, as autarquias – relembre-se, quem está mais perto dos problemas – ficam incapacitadas de quebrar cadeias de transmissão, de alocar os meios corretos às circunstâncias e, inclusivamente, de atuar do ponto de vista da proteção civil.

Também por ter um passado como autarca, tendo sido vice-presidente da Câmara de Lisboa, Duarte Cordeiro intuiu rapidamente duas coisas: (1) que os municípios têm muitas valências para dar resposta à pandemia; (2) se não houver uma estrutura de coordenação e de partilha de informação, a resposta de saúde pública e de combate às pandemias social e económica será debilitada.

Em terceiro lugar, o lançamento da agência de investimento Cascais Invest, uma plataforma de captação de empresas, de apoio à instalação de novos negócios e de atração de investimento estrangeiro, constituída por empresas de todos os setores numa grande parceria entre o setor público e privado. A Cascais Invest é uma tentativa de, com talento endógeno, começar a reindustrializar o país, num ciclo que é de crise mas também de oportunidade. É a prova de que, em Cascais, não apenas acreditamos na economia portuguesa como também temos a convicção de que podemos ser uma porta de saída para estes tempos mais incertos.

A nossa iniciativa, que se insere no combate à pandemia económica em formação, teve o apoio do ministro de Estado e da Economia, Pedro Siza Vieira, que em Cascais reconheceu a pertinência da agência, a nossa longa tradição de gizar política económica e a competência dos municípios numa área que não é (tradicionalmente) do Estado local.

As grandes mudanças conquistam-se passo a passo. Com alterações orgânicas, graduais.

Com estes três passos, com estes três sinais, acredito que estamos não apenas mais próximos de vencer as pandemias, estamos também mais perto de um melhor Estado.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira