Ao cenário da anomia sem fim o ser humano responde com a resignação à parca sobrevivência em que os meios passam a justificar os fins.
Qualquer solidariedade ou sentido social se vai quando deixamos de nos sentirmos como indivíduos em meios a outros indivíduos. O altruísmo só pode existir quando há a possibilidade do Outro.
A grande falência das belas utopias totalitaristas advém precisamente da desindividualização, da dissolução da pessoa no todo, da desvalorização completa da ética pessoal trocada pelos falsos consensos da harmonização e do igualitarismo. A sociedade paradoxalmente desaparece quando desaparecem os indivíduos e passa a haver só sociedade.
Os sinais que recebemos de todo o lado são de confusão, de standardização das preocupações, sobretudo dos medos. Unimo-nos no receio, no que devemos evitar. Deixamos de olhar para o nosso próprio futuro, seguimos o canto do apocalipse comunitário. Deixamo-nos absorver de corpo e alma na matéria esponjosa do medo.
E ficamos vulneráveis ao mal. A esse mal que tantos já cantaram vir mais da ignorância e do conformismo que de um qualquer pecado ou falha primordial. Ao mal do bom cidadão que pacatamente ia para o seu trabalho, abria as torneiras de gás, e voltava de boa consciência para beijar os seus amados filhos no final do dia, com o sentido de simplesmente ter feito o seu trabalho. Como todos os ‘outros’ também faziam.
Nada mata como a falta de esperança, a perda de sentido.
Do sentido individual de cada um, construído no conflito de uma sociedade verdadeiramente aberta, plural, informada, crítica. Da luta das volições interiores, dos desejos secretos, das vontades partilhadas, da luta interior entre o que se quer e o que se precisa, dos constrangimentos e conquistas sentidos e conseguidos em meio aos pares. Sobretudo, do sentido construído no caso da incerteza que só a liberdade de pensamento e expressão permitem. Incerto, muitas vezes errado, mas sempre passível de melhoria.
O humano desesperado, sem sentido, permite-se ao melhor e ao pior. Infelizmente na maior parte das vezes ao pior. O egoísmo e os comportamentos destruidores da sociedade (por negligência ou actividades prejudiciais) surgem sobretudo com o isolamento em relação ao Outro, quando a conveniência do falso correto substituiu a verdadeira comunicação.
A esperança nunca é um dado adquirido. Mas a desesperança também não o pode ser.
Já vivi o suficiente para observar o medo a mudar a minha sociedade para pior no passado (que em si já foi um futuro). Não quero que seja o medo a moldar o que vai ser o resto da minha vida, da vida de cada um de vós, da nossa vida conjunta.
Opto pela tentativa, pelo erro, por escolher tentar ter esperança e arriscar num futuro em que, mesmo sabendo que acabamos de novo na terra, algo melhor que eu ficar