A semana que hoje começa será decisiva para que se perceba definitivamente como será o regresso das crianças às creches que reabrem na próxima segunda-feira, dia 18. As medidas a serem adotadas para a reabertura têm sido debatidas, mas ainda estão a ser definidas ao certo, como admitiu ontem a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas. “Temos de encontrar um ponto de equilíbrio. Não podemos prescindir de regras de controlo de infeção. Estes dias têm sido de intensivo contacto entre a Saúde e o Ministério do Trabalho. Quando esse equilíbrio for encontrado, a orientação será publicada, e é por isso que estamos a trabalhar nela, para encontrar equilíbrio entre controlo de infeção e segurança”, disse.
Para a ministra da Saúde, Marta Temido, “a grande questão que se coloca nas creches é o distanciamento”, disse, recordando casos – como o da Suécia – onde as creches não chegaram a fechar. “Temos de estar atentos à compatibilização das regras entre higienização e condições possíveis, mas temos de ter bem noção de que há pessoas que, pela sua tenra idade, têm maior dificuldade no cumprimento de regras”, alertou ainda.
Para já, entre as muitas regras destacam-se as que serão relativas aos brinquedos, ao calçado e aos pais à porta das creches. Mas o distanciamento social será o mais difícil de garantir, uma vez que se trata de crianças.
“Os nossos filhos estão, de facto, em segurança?” Para o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), as medidas não são ainda muito claras e há assuntos que precisam de ser desenvolvidos. “Estamos a falar de crianças. Temos de tentar perceber, ao nível das idades mais precoces, a questão da infeção e propagação, que é diferente”, disse Jorge Ascenção ao i. “Acho que isso devia ser claro para que se possa tranquilizar as famílias”, defendeu.
“Depois existem também os cuidados necessários a ter sobretudo quando as crianças vão para casa. Há aqui um conjunto de indicações que acho que ainda não foram dadas e que, nesta semana, espero que possam ser mais claras, porque, de facto, estamos a falar de um serviço de que muitas famílias estão a precisar neste momento, já que têm necessidade de ir para os seus trabalhos”, defendeu o responsável, acrescentando que é preciso “ter a garantia da segurança dos filhos”. E depois é também importante saber quais os procedimentos a ter no regresso a casa.
Esta é uma das principais preocupações que os pais têm feito chegar à Confap. E é exatamente a questão da segurança que Jorge Ascenção defende que a DGS e o Ministério da Saúde deverão desenvolver. “Obviamente que os pais estão preocupados, sobretudo pelo facto de a informação não estar muito precisa, não ser muito concreta”, salienta.
“A preocupação é mais esta: nós precisamos que as creches sejam abertas, precisamos que nos ajudem a cuidar dos nossos filhos, porque temos de ir trabalhar e não podemos deixá-los sozinhos em casa. Mas como é que isso vai acontecer? Os nossos filhos estão, de facto, em segurança? É a grande questão”, questiona Jorge Ascenção.
Para o responsável, é urgente saber se o nível de perigo que existe é totalmente diferente do de uma pessoa mais velha. “Segundo aquilo que ouvimos dizer, a contaminação das crianças para os pais é muito menos provável que o contrário. Por isso, quais são os cuidados que nós devemos ter também enquanto pais que saímos para o emprego e que vamos levar os filhos, para minimizar o risco de contaminação aos filhos?”
“Vamos ter de nos reinventar” O regresso das crianças às creches trará certamente mudanças não só na vida das educadoras e auxiliares como das crianças que, em muitos casos, poderão não perceber as “proibições”. “A mudança de sapatos e roupa é possível, não é? As distâncias para eles dormirem também. Agora, os brinquedos, o distanciamento entre eles vai ser muito difícil”, explica ao i Rita Jonet, psicóloga infantil.
Para esta especialista, é “contranatura” que as crianças não possam interagir umas com as outras, “o que vai desvirtuar completamente o grande objetivo da creche, que já começa a ser a socialização” – apesar de admitir que, até aos três anos, as crianças “ainda são muito egocêntricas e ainda estão muito centradas nelas e dependentes de um adulto”.
Por outro lado, admite ser “muito difícil” tentar separar as crianças e as brincadeiras. “Apesar de eles ainda não estarem numa fase de grande socialização, é nesta fase que se vai despertando para o outro, que se vai, no fundo, trabalhando toda esta noção do ‘dá dá’, esta parte que é muito trabalhada nesta fase para eles saberem, desde muito pequeninos, partilhar, embora saibamos que eles ainda vão estar muito nesta fase do ‘é meu’”.
E é nestes pequenos desenvolvimentos que as limitações nas creches podem ser um problema. No entanto, Rita Jonet defende que o amor e o empenho podem trazer resultados e que só quando as novas práticas forem aplicadas se vai perceber se resultam ou não.
“Não havendo isto, e estando nós ainda a reforçar este individualismo de cada um e este distanciamento uns dos outros, tememos pelo que vem aí de outras consequências não muito positivas”, acrescenta.
A relação da criança com a educadora – que estará a usar uma máscara – causa também algumas preocupações e, aqui, terão de ser “inventadas” outras formas de comunicar. “Vamos ter de ser tão expressivos e teremos de usar toda a nossa expressividade, não só a voz, mas a representação, o falarmos com as mãos. Vamos ter de fazer aqui uma compensação. Ainda estamos a ver como é que vamos dar segurança às crianças porque, de facto, isto vai ser completamente diferente”, explicou esta psicóloga ao i.
“Vai ser muito mais difícil cativá-los, vai ser muito mais difícil dar-lhes segurança, mas temos de arranjar soluções, porque a perfeição, neste momento, não existe. Há outros valores mais altos, temos de conseguir mesmo ajudar estes pais que têm de ir trabalhar, e temos de arranjar soluções. Mas estamos um pouco aflitos com isto”, confessa.
Para Rita Jonet, o medo e a insegurança vão ter de ser superados pelo amor que estes profissionais da educação vão conseguir transmitir a cada criança. Só o futuro poderá dizer se é suficiente. “Há tão pouca experiência aqui que também não sabemos muito bem o que isto vai dar. Se calhar, até vai criar elos muito mais fortes, se calhar vai haver outros meios de comunicação que nós não valorizávamos tanto e que, agora, vão ter uma importância enorme. Vamos ter de nos reinventar, nos cheiros, nos sons, em tudo o que conseguirmos para conseguir compensar as faltas que vamos ter de ter”.