Com os países a pensar na melhor forma de avançar para o desconfinamento da população, a informação sobre novas manifestações clínicas da infeção multiplicam-se e há novos alertas sobre o modo de transmissão do vírus. Por agora, são sobretudo pistas.
Em Inglaterra, os pediatras foram alertados pelo NHS para um novo tipo de síndrome de choque tóxico, uma inflamação grave mas pouco frequente, que poderá estar relacionada com a infeção pelo novo vírus. De acordo com a imprensa britânica, este quadro clínico já foi reportado em pelo menos 12 crianças que precisaram de ser assistidas em cuidados intensivos, a maioria crianças diagnosticadas com síndrome de kawasaki, uma doença rara que afeta a vascularização. O serviço nacional de saúde inglês apelou aos médicos que reportem casos compatíveis com o que tem sido descrito, que inclui queixas gastrointestinais e inflamação cardíaca. O presidente do colégio de pediatria britânico tranquilizou os pais: “Sabemos que um número muito pequeno de crianças pode adoecer gravemente com covid-19 mas é muito raro. A evidência em todo o mundo diz-nos que as crianças parecem ser o grupo da população menos afectado por esta infeção”, disse Russell Viner, citado pelo The Guardian. “As novas doenças podem manifestar-se de uma forma que nos surpreende e os médicos devem ser alertados para qualquer evidência emergente de sintomas ou condições de base que podem tornar um doente mais vulnerável ao vírus. No entanto, o nosso conselho mantém-se: os pais devem ser informados de que é pouco provável que as crianças adoeçam gravemente com covid-19 e se estiverem preocupados com a saúde dos filhos por algum motivo devem procurar os médicos”.
Pediatras portugueses atentos Jorge Amil Dias, presidente do colégio de pediatria da Ordem dos Médicos, disse ao i que os médicos estão atentos à evolução da informação sobre a doença, incluindo este novo dado. “Os pediatras há muitos anos que diagnosticam doença de kawasaki em crianças, há critérios de diagnóstico e terapêutica. O que temos agora é uma possível associação de infeção. Se corresponde a um risco maior ou não, só o tempo permitirá perceber. Se para a comunidade médica isto é importante para alargar o diagnóstico, e os médicos estão atentos, não se deve criar o pânico na população”, sublinha o especialista.
“Neste momento sabemos que existem quadros clínicos menos típicos que poderão estar associados a infeção mas de um modo geral a infeção por covid-19 não tem um impacto grave na população pediátrica. Há casos mais severos, mas a população pediátrica tem sido de um modo geral poupada e no hospital onde trabalho a maioria das crianças foi tratada em ambulatório e apenas uma criança foi internada”, sublinha o pediatra do Hospital de São João.
Doença também do sangue? Problemas do foro vascular e relacionados com a coagulação têm sido associados à infeção com o novo coronavírus, agora com mais de 3 milhões de casos em todo o mundo. Alguns autores têm considerado que a covid-19 poderá não ser apenas uma doença do foro respiratório mas multisistémica, com uma componente hematológica nos casos mais graves, sendo afectado a capacidade da hemoglobina para transportar o oxigénio no sangue.
Na última avaliação de risco do Centro Europeu de Controlo e Prevenção de Doenças, os peritos mantêm no entanto que febre (em 48% dos casos) e tosse seca ou produtiva (em 28%) são os sintomas mais frequentes, havendo depois outros sintomas menos comuns como fraqueza geral e diarreia. Ou dor de cabeça e perda de olfacto e paladar. O ECDC assinala a crescente evidência que sugere que casos graves de covid-19 são associados a coagulopatias com manifestações como tromboses em diferentes órgãos, incluido embolias pulmonares. O risco de infeções tem sido outro dos alertas, com o ECDC advertir que uma infeção com outro agente infecioso pode não descartar a infeção com o novo coronavírus.
Filipe Froes, pneumologista e coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, sublinha que se está ainda numa fase de aprendizagem, agora com vários países a publicar dados clínicos. “Têm sido descobertas muitas coisas, já foi referido um aumento de AVC associado à covid-19, vasculites, isquémias intestinais. Nos próximos meses certamente vamos perceber finalmente o mecanismo fisico-patológico da doença e muita destes dados serão então integrados nesse conceito. Agora o que temos são algumas teorias, umas coisas encaixam mais no que sabemos, outras encaixam menos. Estamos numa fase de grande necessidade de conhecimento e em que precisamos de ter uma mentalidade aberta para diferentes manifestações que possam aparecer”, diz o médico.
“Temos uma doença com quatro meses e sabemos que podemos não conhecer ainda todo o seu espectro de manifestação”, continua Filipe Froes, alertando que, ao mesmo tempo, como existe maior apetência para publicar dados sobre a covid-19, para desvendar a doença e procurar respostas eficazes, algumas suspeitas que, noutras circunstâncias não seriam logo publicadas, poderão não se confirmar.
Pelo ar? No capítulo da transmissão, um estudo publicado na “Nature” tornou a chamar a atenção para a hipótese de transmissão do vírus através de partículas suspensas no ar. Investigadores de Wuhan analisaram amostras de ar recolhidas num hospital temporário, num supermercado e numa zona residencial e detetaram pequenas partículas do vírus em suspensão, em maior níveis por exemplo nas casas de banho usadas por doentes. Embora não tenham determinado o nível de infeciosidade, a equipa conclui que existe potencial para o vírus se transmitir através de aerossóis, recomendando a ventilação dos espaços e reforço da desinfeção de superfícies. Também tem estado em cima da mesa a hipótese de o ar condicionado poder ajudar a propagar o vírus. Investigadores chineses publicaram este mês na Emerging Infectious Diseases uma análise de um surto em Guangzhou que poderá ter começado desta forma num restaurante local, recomendando a ventilação e distância entre mesas. O primeiro infectado estaria mesmo assintomático quando jantou no restaurante de cinco pisos no dia 24 de janeiro. O aparelho de ar condicionado terá espalhado gotículas com o vírus pela sala, acabando por contagiar pessoas de outras duas famílias, o que ligaram a nove casos.