Em calamidade já nós estamos há muito tempo


O grande problema é que o estado de calamidade pública não confere ao Governo quaisquer possibilidades de garantir estas necessidades. Tanto assim é que, ao seu abrigo, circunstâncias tão simples como a proibição de greves, a suspensão do direito de resistência ou a ida e permanência em locais de culto não podem nesta dinâmica ser…


Depois do estado de emergência até aqui vigorante, ficámos esta semana a saber que o mesmo não será renovado, sendo substituído pelo estado de calamidade pública. Ainda que vá em seguida explicar em que base assenta o meu descrédito face a esta opção, antecipo que juridicamente não me parece que a mesma tenha qualquer cabimento teórico quanto mais operatividade prática.

Deslindemos então em primeiro lugar o que está em cima da mesa e, para isso, temos de compreender com clareza quais as diferenças entre o estado de emergência e de calamidade pública, circunstância que estou em querer a maior parte da população portuguesa não domina. Para que todos percebam: quando confrontamos estes dois cenários, a maior diferença entre ambos reside na sua aprovação, na medida em que o estado de emergência é o resultado de um decreto de origem presidencial, sustentado por um parecer favorável do Governo e de uma nova aprovação pela Assembleia da República, enquanto no estado de calamidade pública o Presidente da República não tem qualquer voto na matéria.

É o Governo quem tem competência para o declarar sob resolução de Conselho de Ministros sem que se tenha de verificar qualquer aprovação pela Assembleia da República e muito menos, como atrás se disse, presidencial, sendo apenas, posterior e respectivamente chamados a aprovar e promulgar diplomas legais que consistam na forma de fazer operar a situação em curso. Até aqui não se levantam grandes dúvidas ou divergências jurisprudenciais. No entanto, e daí considerar não ser esta a opção mais ajuizada, é que o que juridicamente faz sentido, deixar de o ter numa lógica de comportamento social quotidiano.

Repare-se: o pilar fundamental em que sempre, e bem, assentou o estado de emergência, era dotar o Governo das faculdades que permitissem obrigar as pessoas a estar em casa, obrigando-as assim a um confinamento que tinha como primordial objectivo a menor disseminação do COVID-19 pela sociedade. Ora esse anseio, e sobretudo esse objectivo, não mudou. Já todos percebemos que enquanto não houver uma vacina a nossa vida não voltará ao normal e que uma das peças chave vai ser sempre uma boa dose de confinamento social e de limitação de condutas, comportamentos e movimentações antes absolutamente banais.

O grande problema é que o estado de calamidade pública não confere ao Governo quaisquer possibilidades de garantir estas necessidades. Tanto assim é que, ao seu abrigo, circunstâncias tão simples como a proibição de greves, a suspensão do direito de resistência ou a ida e permanência em locais de culto não podem nesta dinâmica ser proibidas. Ora a minha questão é obvia: se o Governo não domina os meios como pode almejar dominar os fins? Não bate a bota com a perdigota e toda esta mixórdia não só não tem qualquer praticidade como vai deixar a sociedade em polvorosa. 

Mais uma vez tudo isto é assim uma espécie de coisa à portuguesa que querendo dar para tudo não dá para coisa nenhuma. É certo que se podem continuar a limitar os critérios de circulação, mas vamos colocar em cima da mesa um exercício concreto, tipo faculdade: Num domingo de Maio, Rosélia, 55 anos, fiel devota, sai de sua casa e como toda a sua vida desloca-se à igreja para assistir à missa de Domingo. Quando se prepara para entrar na igreja, é impedida por um agente da PSP, sendo-lhe solicitado que volte a sua casa. Rosélia diz que não faz parte de qualquer grupo de risco e que o estado de emergência já foi levantado pelo que pode ir onde bem quiser. O agente da PSP reforça que Rosélia terá de regressar imediatamente a casa, e Rosélia bate o pé, diz que vai à missa e que o PSP nada pode fazer para a impedir. (e não pode mesmo) Quid Juris? Uma vez que António Costa é jurista, e já disse saber a capacidade enorme que os juristas têm em inventar problemas, o que pergunto é se saberá igualmente resolver um problema jurídico criado por si próprio?

 


Em calamidade já nós estamos há muito tempo


O grande problema é que o estado de calamidade pública não confere ao Governo quaisquer possibilidades de garantir estas necessidades. Tanto assim é que, ao seu abrigo, circunstâncias tão simples como a proibição de greves, a suspensão do direito de resistência ou a ida e permanência em locais de culto não podem nesta dinâmica ser…


Depois do estado de emergência até aqui vigorante, ficámos esta semana a saber que o mesmo não será renovado, sendo substituído pelo estado de calamidade pública. Ainda que vá em seguida explicar em que base assenta o meu descrédito face a esta opção, antecipo que juridicamente não me parece que a mesma tenha qualquer cabimento teórico quanto mais operatividade prática.

Deslindemos então em primeiro lugar o que está em cima da mesa e, para isso, temos de compreender com clareza quais as diferenças entre o estado de emergência e de calamidade pública, circunstância que estou em querer a maior parte da população portuguesa não domina. Para que todos percebam: quando confrontamos estes dois cenários, a maior diferença entre ambos reside na sua aprovação, na medida em que o estado de emergência é o resultado de um decreto de origem presidencial, sustentado por um parecer favorável do Governo e de uma nova aprovação pela Assembleia da República, enquanto no estado de calamidade pública o Presidente da República não tem qualquer voto na matéria.

É o Governo quem tem competência para o declarar sob resolução de Conselho de Ministros sem que se tenha de verificar qualquer aprovação pela Assembleia da República e muito menos, como atrás se disse, presidencial, sendo apenas, posterior e respectivamente chamados a aprovar e promulgar diplomas legais que consistam na forma de fazer operar a situação em curso. Até aqui não se levantam grandes dúvidas ou divergências jurisprudenciais. No entanto, e daí considerar não ser esta a opção mais ajuizada, é que o que juridicamente faz sentido, deixar de o ter numa lógica de comportamento social quotidiano.

Repare-se: o pilar fundamental em que sempre, e bem, assentou o estado de emergência, era dotar o Governo das faculdades que permitissem obrigar as pessoas a estar em casa, obrigando-as assim a um confinamento que tinha como primordial objectivo a menor disseminação do COVID-19 pela sociedade. Ora esse anseio, e sobretudo esse objectivo, não mudou. Já todos percebemos que enquanto não houver uma vacina a nossa vida não voltará ao normal e que uma das peças chave vai ser sempre uma boa dose de confinamento social e de limitação de condutas, comportamentos e movimentações antes absolutamente banais.

O grande problema é que o estado de calamidade pública não confere ao Governo quaisquer possibilidades de garantir estas necessidades. Tanto assim é que, ao seu abrigo, circunstâncias tão simples como a proibição de greves, a suspensão do direito de resistência ou a ida e permanência em locais de culto não podem nesta dinâmica ser proibidas. Ora a minha questão é obvia: se o Governo não domina os meios como pode almejar dominar os fins? Não bate a bota com a perdigota e toda esta mixórdia não só não tem qualquer praticidade como vai deixar a sociedade em polvorosa. 

Mais uma vez tudo isto é assim uma espécie de coisa à portuguesa que querendo dar para tudo não dá para coisa nenhuma. É certo que se podem continuar a limitar os critérios de circulação, mas vamos colocar em cima da mesa um exercício concreto, tipo faculdade: Num domingo de Maio, Rosélia, 55 anos, fiel devota, sai de sua casa e como toda a sua vida desloca-se à igreja para assistir à missa de Domingo. Quando se prepara para entrar na igreja, é impedida por um agente da PSP, sendo-lhe solicitado que volte a sua casa. Rosélia diz que não faz parte de qualquer grupo de risco e que o estado de emergência já foi levantado pelo que pode ir onde bem quiser. O agente da PSP reforça que Rosélia terá de regressar imediatamente a casa, e Rosélia bate o pé, diz que vai à missa e que o PSP nada pode fazer para a impedir. (e não pode mesmo) Quid Juris? Uma vez que António Costa é jurista, e já disse saber a capacidade enorme que os juristas têm em inventar problemas, o que pergunto é se saberá igualmente resolver um problema jurídico criado por si próprio?