Para além de nunca termos vivido nada assim no último século, outra das novidades desta crise pandémica é que a solução passa pela mobilização das energias e vontades políticas de uma miríade de atores: dos locais aos transnacionais, dos poderes públicos aos privados, dos indivíduos aos Governos. Ninguém pode cruzar os braços à espera que outros resolvam. Cada um tem de fazer a sua parte.
A Europa tem de fazer a sua parte. Esta pandemia expôs a ficção da unidade europeia. A Europa não estava preparada para o embate e, quando levou um banho de realidade, foi cada um por si. A incapacidade de dar uma resposta conjunta e solidária leva a que muitos europeus se perguntem: afinal, para que serve a Europa? Esta pergunta planta as sementes da destruição do nosso projeto colectivo. Portugal tem de ajudar a dar resposta a esta pergunta. E a Europa tem de evitar a sua formulação.
É que, mesmo com os seus pecados, a Europa continuará a ser vital no pós-crise para países como o nosso. A nossa economia, o nosso modo de vida, a nossa democracia: nada disso existirá sem Europa. Temos o dever de ser exigentes com Bruxelas. Mas também temos a obrigação de reconhecer que por mais defeitos que tenha, a União continuará a ser a garantia de uma vida em paz, progresso social e alguma prosperidade.
O Governo tem de fazer a sua parte. Nenhum primeiro-ministro e nenhum Governo podiam estar preparados para o choque que tivemos. Cada pessoa, cada organização tem de somar os seus esforços ao de quem nos governa para vencer esta batalha. Em democracia, nunca cederá a tentação de criticar quem nos lidera. Mas, nesta guerra, saibamos direcionar as nossas energias para aquilo que realmente interessa: vencer a pandemia. Este é o tempo para tratar dos infetados, proteger os profissionais de saúde e as famílias, estimular a economia. A avaliação política neste momento é inútil, inoportuna, irrelevante.
Como disse, mais do que nunca é tempo de Governo central e autarquias locais trabalharem juntas.
As vilas e cidades do nosso país têm dado um contributo incrível para amortecer o impacto do coronavírus e manter a dignidade de todos na dificuldade. É um esforço partilhado por todos. Há, contudo, pequenas coisas que o Governo pode fazer para auxiliar as autarquias neste esforço coletivo.
Três exemplos práticos. Como se sabe, as câmaras municipais estão a gastar milhões de euros em material de proteção, substituindo-se em larga medida ao Governo. Mas todas essas aquisições pagam IVA a 23%. A isenção de IVA nesta matéria seria um contributo importante para o equilíbrio das autarquias.
Outro exemplo, dentro do mesmo tema: as câmaras em situação económica estável podem endividar-se até um máximo de 20% ao ano. Estas compras extraordinárias estão a impactar nesse teto máximo de endividamento para algumas autarquias. Excecionar estes custos seria mais uma medida de apoio ao poder local.
Por último, um terceiro exemplo: tanto eu como os meus colegas presidentes de câmara temos recebido pedidos de milhares de cidadãos para alívio da tarifa da água. Cascais paga a água mais cara do distrito porque o preço é formulado pela EPAL à empresa concessionária do abastecimento. Para que as câmaras sejam efetivas na redução das taxas cobradas, é crucial que o Governo intervenha junto da EPAL na quebra de preços. Quanto aos municípios, cabe-lhes reduzir as taxas ou bonificar os consumos. É o que já está acontecer em muitos lugares, incluindo em Cascais, onde os consumos dos primeiro e segundo escalões vão ser subsidiados em um milhão de euros, prevendo um desconto médio de 12% para famílias e empresas, e onde se isentarão de taxas de RSU – por um prazo de 6 meses – empresas que encerraram ou viram a sua atividade fortemente condicionada.
As autarquias têm de fazer a sua parte. Confesso que assisto à emergência de uma força municipalista sem paralelo recente. Por todo o país, há câmaras a partilhar recursos, a reforçar elos de solidariedade, a cooperarem. Portugal é hoje um território com maior coesão territorial.
Quanto a nós, na Câmara Municipal de Cascais, implementámos um pacote de combate à covid-19 que já toca nos 15 milhões de euros. Se somarmos à despesa já realizada e prevista a perda de receita que antevemos, estamos a falar de um impacto mínimo de 60 milhões de euros no orçamento municipal em 2020.
Isto significa uma profunda contração orçamental e a amputação de capacidade de investimento em projetos estruturantes. Em Cascais como no país, a luta contra a pandemia quebra o ciclo de políticas previstas e abre um novo tempo de exigências e incertezas para as quais os políticos executivos têm de se preparar. Que não haja, portanto, ilusões: quando o relógio voltar a funcionar, quando as nossas vidas voltarem a ser vividas, não encontraremos as coisas no exato lugar em que as deixámos. O mundo pós-pandemia será um lugar muito diferente daquele de que nos lembramos antes de o vírus ter atacado as nossas sociedades.
É por isso que este também é o tempo em que os indivíduos têm de fazer a sua parte. Alguns de nós devem ficar em casa. Outros vão para a linha da frente, cuidar de quem precisa. E outros ainda têm de sair para manter o país e a economia a funcionar, tendo rotinas profundamente alteradas.
Também para nós, autarcas, o dia-a- -dia mudou radicalmente. O lançamento de obras foi substituído por encomendas de material médico. Em vez de competir pelos recursos com os vizinhos, damos por nós a cooperar e a partilhar as nossas necessidades. Os contactos de rua com os munícipes são substituídos por conversas mediadas por máscaras ou por mensagens trocadas online. Os pedidos de ajuda vêm de todo o lado. E, como num campo de batalha, não há mãos a medir para diminuir a ansiedade e controlar os danos.
Não sabemos como será o amanhã. Mas sabemos que venceremos a batalha. E que se fizermos o que tem de ser feito, o que se exige a cada um de nós, sairemos dela mais fortes e unidos. Como comunidade, como país, como Europa.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira