A sobrevivência e nada mais


Há uma dimensão de responsabilidade individual que nenhum cidadão poderá transferir para as autoridades. Este é o tempo de promover a cooperação e a tolerância.  


Estamos essencialmente perante uma crise sanitária como poucos imaginavam possível.

Mas as consequências económicas e psicológicas desta verdadeira tragédia a nível global são a outra face deste drama, que não tem resposta em soluções que possam recolher-se da estante onde repousam os manuais.

Salvar quem é portador do vírus, clarificar sobre quem está em vigilância, impor autoquarentena a quem é potencial infectado e futuro transmissor (todos e cada um) é a missão quase impossível das horas que correm…

Por esta razão, ser dirigente político nesta altura não é fácil e poucas vezes se requereu um voluntário espírito de incentivo a quem tem responsabilidades públicas e de cooperação construtiva com os agentes políticos como neste momento histórico.

Pode discutir-se o modo e o tempo das medidas decididas pelo Governo, mas o primeiro-ministro, António Costa, tem estado à altura da missão que esta crise suscitou, também nas palavras responsáveis que tem comunicado ao país.

Se as medidas são bastantes e as adequadas para a nossa realidade, o balanço final o dirá quando for tempo de balanço, mas o grau de máxima compreensão de cada um e de todos perante eventuais imperfeições dos responsáveis, humanos como os outros e sujeitos ao dilema da própria circunstância pessoal e familiar, é a fórmula de celebrarmos um mínimo de solidariedade.

Há claramente uma dimensão de responsabilidade individual que nenhum cidadão pode transferir para as autoridades e, sem embargo da liberdade de cada qual, não será o tempo de viver e exacerbar a crítica, mas de promover a cooperação e a tolerância.

Somos o país que somos, com as estruturas que temos e que, perante uma tragédia desta dimensão, nunca seriam suficientes, apesar de, no anonimato de milhares de profissionais de saúde que não desertam, afinal podermos concluir que somos uma comunidade deste tempo.

Neste particular, o gesto de um milhar de médicos já retirados que respondeu ao apelo da ordem é exemplo que sensibiliza, se não é mesmo comovente.

Esta verdadeira calamidade universal tem também uma dimensão económica, como referi no início, que será tanto mais grave quanto mais se prolongar no tempo.

E aqui entra a frouxa intervenção da União Europeia e da Comissão, que talvez agora se tenha convenientemente acomodado ao exercício do princípio da subsidiariedade, mas que claramente não actuou de forma liderante na protecção de fronteiras intra-comunitárias e na relação com viajantes de países-terceiros, matéria em que poderia intervir melhor que cada Estado, nos aspectos multilaterais da regulação, quando cada país tem dificuldade no plano bilateral, como é o caso de Portugal e Espanha.

E não se diga da autonomia do papel dos governos nacionais no domínio das políticas de saúde. 

A actuação da Comissão e do Parlamento tem abordado, em tempo de calmaria, as ameaças à saúde global, designadamente tendo em conta as potenciais pandemias à escala mundial em doenças facilmente transmissíveis, numa era em que a rapidez do transporte mundial facilita a sua propagação.

Esta situação tem acolhimento nos tratados comunitários, como é o caso previsto na cláusula de solidariedade constante do art.o 222.o do Tratado de Lisboa. De acordo com esta cláusula, os Estados-membros comprometem-se com acções de assistência mútua aos seus pares nos cenários pandémicos bem definidos, como é o caso. Chegada a realidade, não temos mais que palavras…

Que, pelo menos, se redima no que à economia da zona euro dirá respeito, numa dimensão de ajudas comuns e no quadro da presente realidade, que talvez faça da crise de 2008 uma pequena vicissitude. 

Mas também no aspecto psicológico esta situação deixará rasto. Não será impunemente que as medidas exigidas para combate ao vírus assassino provocarão desequilíbrios e patologias associadas de incidência brutal nas famílias e comunidades.

Uma razão mais para uma atitude de excepcional parcimónia crítica nos dias que correm e de compreensão para quem tem procurado governar o país numa situação de alarme nacional, não saindo de cena…

O primeiro-ministro e os próprios responsáveis da saúde – independentemente da posição de cada cidadão sobre as vésperas deste drama – devem concitar não só o respeito como o apelo a que façam o melhor que possam, num momento em que se descobre, de um dia para o outro, a fragilidade da existência…

Por uma vez, o objectivo é a sobrevivência e nada mais.

 

Jurista

A sobrevivência e nada mais


Há uma dimensão de responsabilidade individual que nenhum cidadão poderá transferir para as autoridades. Este é o tempo de promover a cooperação e a tolerância.  


Estamos essencialmente perante uma crise sanitária como poucos imaginavam possível.

Mas as consequências económicas e psicológicas desta verdadeira tragédia a nível global são a outra face deste drama, que não tem resposta em soluções que possam recolher-se da estante onde repousam os manuais.

Salvar quem é portador do vírus, clarificar sobre quem está em vigilância, impor autoquarentena a quem é potencial infectado e futuro transmissor (todos e cada um) é a missão quase impossível das horas que correm…

Por esta razão, ser dirigente político nesta altura não é fácil e poucas vezes se requereu um voluntário espírito de incentivo a quem tem responsabilidades públicas e de cooperação construtiva com os agentes políticos como neste momento histórico.

Pode discutir-se o modo e o tempo das medidas decididas pelo Governo, mas o primeiro-ministro, António Costa, tem estado à altura da missão que esta crise suscitou, também nas palavras responsáveis que tem comunicado ao país.

Se as medidas são bastantes e as adequadas para a nossa realidade, o balanço final o dirá quando for tempo de balanço, mas o grau de máxima compreensão de cada um e de todos perante eventuais imperfeições dos responsáveis, humanos como os outros e sujeitos ao dilema da própria circunstância pessoal e familiar, é a fórmula de celebrarmos um mínimo de solidariedade.

Há claramente uma dimensão de responsabilidade individual que nenhum cidadão pode transferir para as autoridades e, sem embargo da liberdade de cada qual, não será o tempo de viver e exacerbar a crítica, mas de promover a cooperação e a tolerância.

Somos o país que somos, com as estruturas que temos e que, perante uma tragédia desta dimensão, nunca seriam suficientes, apesar de, no anonimato de milhares de profissionais de saúde que não desertam, afinal podermos concluir que somos uma comunidade deste tempo.

Neste particular, o gesto de um milhar de médicos já retirados que respondeu ao apelo da ordem é exemplo que sensibiliza, se não é mesmo comovente.

Esta verdadeira calamidade universal tem também uma dimensão económica, como referi no início, que será tanto mais grave quanto mais se prolongar no tempo.

E aqui entra a frouxa intervenção da União Europeia e da Comissão, que talvez agora se tenha convenientemente acomodado ao exercício do princípio da subsidiariedade, mas que claramente não actuou de forma liderante na protecção de fronteiras intra-comunitárias e na relação com viajantes de países-terceiros, matéria em que poderia intervir melhor que cada Estado, nos aspectos multilaterais da regulação, quando cada país tem dificuldade no plano bilateral, como é o caso de Portugal e Espanha.

E não se diga da autonomia do papel dos governos nacionais no domínio das políticas de saúde. 

A actuação da Comissão e do Parlamento tem abordado, em tempo de calmaria, as ameaças à saúde global, designadamente tendo em conta as potenciais pandemias à escala mundial em doenças facilmente transmissíveis, numa era em que a rapidez do transporte mundial facilita a sua propagação.

Esta situação tem acolhimento nos tratados comunitários, como é o caso previsto na cláusula de solidariedade constante do art.o 222.o do Tratado de Lisboa. De acordo com esta cláusula, os Estados-membros comprometem-se com acções de assistência mútua aos seus pares nos cenários pandémicos bem definidos, como é o caso. Chegada a realidade, não temos mais que palavras…

Que, pelo menos, se redima no que à economia da zona euro dirá respeito, numa dimensão de ajudas comuns e no quadro da presente realidade, que talvez faça da crise de 2008 uma pequena vicissitude. 

Mas também no aspecto psicológico esta situação deixará rasto. Não será impunemente que as medidas exigidas para combate ao vírus assassino provocarão desequilíbrios e patologias associadas de incidência brutal nas famílias e comunidades.

Uma razão mais para uma atitude de excepcional parcimónia crítica nos dias que correm e de compreensão para quem tem procurado governar o país numa situação de alarme nacional, não saindo de cena…

O primeiro-ministro e os próprios responsáveis da saúde – independentemente da posição de cada cidadão sobre as vésperas deste drama – devem concitar não só o respeito como o apelo a que façam o melhor que possam, num momento em que se descobre, de um dia para o outro, a fragilidade da existência…

Por uma vez, o objectivo é a sobrevivência e nada mais.

 

Jurista