A gestão autárquica deve ser próxima dos cidadãos e ter como prioridade o bem-estar da sua vida quotidiana, de forma articulada com a promoção das atividades económicas que dão vida e sustentabilidade social aos aglomerados urbanos.
Mas o que se tem passado nos últimos meses na cidade de Lisboa é um massacre para a maioria dos lisboetas, tal a enormidade do que vem sendo publicamente anunciado pela câmara municipal.
Ao contrário do que um autarca deveria primeiro fazer – conhecer bem o terreno, ouvir atentamente as preocupações quotidianas dos cidadãos, promover o dinamismo económico a partir dos empresários e comerciantes que, no terreno, já investiram muito da sua vida e dos seus capitais para que Lisboa seja o que é hoje –, o presidente da câmara quis inverter as prioridades ao colocar no topo da sua agenda meras pretensões ideológico-ambientalistas a partir das quais obriga depois os cidadãos a conformarem-se a sofrer no seu dia-a-dia todas as agruras que essa agenda lhes impõe.
Mesmo que para isso tenham de ser inutilmente massacrados!
A Baixa/Chiado, estendendo-se a norte para os Restauradores/Avenida da Liberdade e abrindo-se a sul no Terreiro do Paço, para o estuário do Tejo, é o berço espiritual de todos os lisboetas, mesmo daqueles que só a frequentam a espaços.
A beleza da paisagem desta zona vai, todavia, de par com barreiras geográficas importantes, desde logo com um estuário “tão largo que corta o centro da cidade” e com as colinas do Castelo, da Graça e do Bairro Alto, que têm tanto de fascinante como de íngreme e perigoso para quem as percorre…
Por isso, já em finais do séc. xix, nos reinados de D. Luís e de D. Carlos, a engenharia portuguesa deu um precioso contributo para “harmonizar pessoas, lazer e atividades económicas” através da construção dos elevadores de Santa Justa, da Glória e da Bica.
Infelizmente, agora, 140 anos depois, a Câmara de Lisboa não tem imaginação para construir novas infraestruturas que facilitem a mobilidade de pessoas e mercadorias duma forma ambientalmente recomendável, como seria, desde logo, um acesso eletromecânico confortável e direto do Martim Moniz ao esplendoroso miradouro histórico que, no topo da colina, o Castelo de São Jorge representa.
Pressionado pelos novos turistas que, felizmente para a economia de Lisboa, desejam contemplar a cidade do alto do castelo, a câmara ficou-se por uns “elevadores soltos e um pedaço de escada rolante a céu aberto”, totalmente incapazes de levarem os turistas aonde eles querem ir.
Por isso, pela Baixa/Chiado pululam os tuk-tuks, os Uber e os táxis, atravancando ainda mais a vida dos moradores que, paradoxalmente, a câmara diz querer que vivam no centro da cidade… E é essa confusão que depois vai forçar o para-arranca dos automóveis que vai depois prejudicar a qualidade do ar.
E por causa disso, os moradores desta vasta zona da cidade vão ficar agora condenados a viver numa espécie de campo de concentração com direito a apenas dez visitas por mês, desde que indiquem previamente à câmara as matrículas das viaturas em que estas se desloquem! Tornando também um inferno burocrático as deslocações para a manutenção e o abastecimento de residências, lojas, escolas, teatros e hospitais.
Ou seja, a câmara promove exatamente o oposto do que se tinha proposto fazer porque, na prática, vai escorraçar as classes médias e o comércio das lojas históricas desta zona, que ficará, pelos vistos, um gueto reservado aos turistas, a começar pelos que ali ao lado desembarcam dos gigantescos navios de cruzeiro.
E é também totalmente inútil porque a desculpa propalada de que este massacre serve para “salvar o planeta das emissões de CO2” não tem qualquer consistência: as quantidades brutais de CO2 que as novas centrais a carvão de Marrocos estão a deitar diariamente para a atmosfera são centenas de vezes superiores ao que o trânsito no centro de Lisboa possa emitir.
Mas bastava reconverter o troço inútil da escada rolante do Martim Moniz numa “ nova e verdadeira porta de acesso confortável e direto ao castelo” para servir as centenas de milhares de turistas que anseiam por lá ir, para compatibilizar o turismo com os moradores e o comércio da zona, sem massacrar ninguém!
Esperamos, todavia, que Fernando Medina, que noutras circunstâncias deu já provas de ter bom senso, arrepie o caminho que, pelos vistos, alguns maus conselheiros lhe apontaram, e dê a Lisboa o que ela merece: projetos que a dignifiquem e lhe permitam ter, duma forma equilibrada, qualidade de vida dos moradores e uma economia dinâmica.
É isso que também é exigido por uma democracia de qualidade.
Professor catedrático do Instituto Superior Técnico
Subscritor do “Manifesto: Por uma Democracia de Qualidade”