Entre os esqueletos de Bauer – Alfred Bauer, o diretor a todas as edições homenageado pelo prémio em que o festival ostentava o seu nome e cujo passado nazi recentemente colocado a descoberto obrigou o festival a tomar uma posição – e os pássaros de Catarina Vasconcelos, que estreia a sua primeira longa-metragem na secção inaugurada pela nova direção, arranca hoje na capital alemã (a estender-se até ao próximo 1.º de março) a 70.ª edição do Festival de Cinema de Berlim.
Ao cabo de 18 anos sob a direção artística de Dieter Kosslick, o festival que não renunciou ao pendor político que, na cidade em que um dia se dividiu o mundo, o vem caracterizando, está pela primeira edição entregue a Carlo Chatrian, que para Berlim transitou de Locarno. A mais notada das novidades trazidas pela nova direção artística do festival – que arranca hoje com My Salinger Year, de Philippe Falardeau, como filme de abertura será, num ano em que o cinema português volta a não se fazer representar na Competição (a última edição em que aconteceu foi em 2017, com Colo, de Teresa Villaverde) – é a nova secção Encontros, cuja programação está, como naquela, a cargo de Chatrian.
É nessa nova secção criada como plataforma para “apoiar novas vozes no cinema e dar mais espaço a narrativas diversas e a formas documentais no programa oficial” que será pela primeira vez exibida a primeira longa-metragem de Catarina Vasconcelos: A Metamorfose dos Pássaros. Uma produção da Primeira Idade que parte da história da família da realizadora – a história dos avós até chegar à do seu seu pai, Jacinto, irmão mais velho de seis, que perdeu a mãe subitamente, e do encontro da realizadora com ele no dia em que também a sua mãe morreu. “Nesse dia, eu e o meu pai encontramo-nos na perda da mãe e a nossa relação deixou de ser só a de pai e filha”, escreve Catarina Vasconcelos na sinopse que revela o registo pessoal em que construiu o filme.
Num corte com o que se tinha tornado já um hábito nos últimos anos, com Leonor Teles, em 2016, e Diogo Costa Amarante, em 2017, a vencerem o Urso de Ouro das Curtas, à 70.ª edição a Berlinale Shorts não conta com nenhum título português. O mesmo na Competição, que junta as mais recentes obras de Hong Sangsoo (Domangchin Yeoja/The Woman Who Ran), Philippe Garrel (Le Sel des Larmes), Sally Potter (The Roads Not Taken), Abel Ferrara (Siberia) e Christian Petzold (Undine), entre outros, mas sem filmes portugueses.
Mas é Welket Bungué, ator português nascido na Guiné-Bissau, o protagonista de Berlin Alexanderplatz, filme de Burhan Qurbani que integra também a Competição de 2020, no papel de um refugiado em Berlim. Na secção Forum, Filipa César estreia o seu novo filme, Crioulo Quântico. Um filme-ensaio sobre o processo de crioulização como, muito para lá da linguagem, uma forma de pensar o mundo que apresentara já como instalação no Espaço Projeto da Gulbenkian, em Lisboa.
Para uma edição que reúne no júri da Competição, presidido pelo ator Jeremy Irons, Bérénice Bejo, Bettina Brokemper, Annemarie Jacir, Kenneth Lonergan, Luca Marinelli e Kleber Mendonça Filho, Chatrian colocou como objetivo garantir uma plataforma para a diversidade. “Não digo que estamos a apresentar filmes perfeitos… mas estes filmes representam o cinema na sua diversidade”.