“Não acuse a minha educação dos defeitos do meu caráter”,
Florbela Espanca, Correspondência
O título desta crónica copia uma frase atribuída ao filósofo grego Epiteto.
Sobre educação, questão central de todas as sociedades, já se escreveram centenas de tratados, ao longo dos séculos. Mas é de um problema trivial, resultado de falta de educação básica, que esta crónica trata.
Na minha leitura diária dos jornais de papel – algo que começa a parecer um ato tão antiquado como, por exemplo, telefonar de uma cabine telefónica –, uma notícia publicada no Correio da Manhã chamou-me especialmente a atenção. Título: “Gang tramado por erros ortográficos”.
A notícia contava a história de um grupo de malfeitores que se dedicava a falsificar o endosso de cheques encontrados em cartas que roubavam nos marcos do correio, tendo criado um carimbo “com todas as letras do alfabeto e que até permitia fazer letras maiúsculas e minúsculas”.
A coisa correu bem (para os vigaristas) entre 2008 e 2010. Mas houve um pequeno problema. Certamente pouco letrados, os falsificadores repetiam sempre os mesmos erros ortográficos.
E foi assim que a Judiciária os apanhou, tendo quatro dos oito acusados sido condenados com penas de prisão efetiva.
Não resisto a imaginar uma hipotética cena de um encontro num estabelecimento prisional entre um daqueles burlões e um outro, mas dos chamados “crimes de colarinho branco”.
Imagino um qualquer doutor, agora preso, autor de complicado esquema de lavagem de dinheiro, de depósito em parte incerta de fundos recebidos por favores prestados no exercício de um cargo público ou de um habilidoso esquema de fuga ao fisco, tudo imaginado graças a conhecimentos armazenados em anos de estudo.
Eis então o doutor a ouvir pacientemente a história do burlão semianalfabeto.
O senhor do “colarinho branco” exibirá certamente um ar paternalista, em face do erro de palmatória cometido pelo grupo de falsificadores.
Ao longo da conversa, talvez mesmo lhe cite Kant: “É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade”.
Mais à frente, exibindo a sua vasta cultura, recorrerá certamente a Aristóteles: “A educação tem raízes amargas, mas os seus frutos são doces”.
Não resisto mesmo a imaginar o final da conversa.
Com uma amigável palmada nas costas, o burlão doutorado remata para o companheiro de reclusão:
– Olha, amigo, estudasses!
Jornalista