Joacine Katar Moreira e André Ventura não podiam estar mais distantes ideologicamente, mas têm em comum o facto de serem notícia quase todos os dias. Para o bem e para o mal, os dois novos deputados ganharam uma visibilidade pouco comum em menos de quatro meses e conseguem dominar a agenda política mesmo quando há outros assuntos que influenciam diretamente a vida dos portugueses.
“Há aqui qualquer coisa que está a falhar quando, em pleno debate do Orçamento do Estado, andamos a discutir o que um deputado escreveu nas redes sociais”, diz Carlos Abreu Amorim, professor universitário e ex-deputado do PSD.
Para Carlos Abreu Amorim, a atenção dada a Joacine e a André Ventura justifica-se por serem “novidade”, mas também por existir da parte desses deputados “um esforço permanente para incentivar” esse interesse. “Os pequenos partidos têm receio de desaparecer nas próximas eleições e é natural, nomeadamente da parte do Livre e do Chega, que haja um esforço para criar casos e polémicas, ou seja, para provocar a curiosidade das pessoas seja lá como for”, diz o ex-vice-presidente do grupo parlamentar do PSD.
O ex-secretário de Estado da Comunicação Social Arons de Carvalho também considera que a visibilidade dada aos dois deputados se pode justificar com as várias polémicas em que estão envolvidos. “As pessoas têm mais interesse por aquilo que é insólito e inédito. Quando as coisas são polémicas tornam-se mais mediáticas”, afirma o fundador do PS.
Esquerda ajuda ventura? Arons de Carvalho considera “natural” que a comunicação social acompanhe as polémicas que envolvem Ventura e Joacine e lembra que há uma “reconfiguração do panorama político partidário” que é impossível ignorar. O também professor universitário tem, porém, dúvidas sobre se a forma como os partidos tradicionais estão a reagir ao aparecimento de novos partidos será a mais adequada. “Houve aquela reação do presidente da Assembleia da República [que repreendeu André Ventura por utilizar a palavra vergonha] e há quem diga que estamos indiretamente a favorecê-lo e a proporcionar-lhe aquilo que ele pretende, que é visibilidade. Não sei se é assim, mas é possível”, diz Arons de Carvalho.
O sociólogo João Teixeira Lopes concorda que estes partidos estão a ter muita visibilidade por serem novidade. “As agendas mediáticas precisam de novos protagonistas e novos temas”. Mas encontra outros fatores, como o facto de Ventura e Joacine serem “personalidades exuberantes que querem ter protagonismo”. Ou seja, explica o ex-deputado do Bloco de Esquerda, a “visibilidade mediática é o que mais pode contribuir para que estes partidos consigam crescer e, por isso, apostam tudo nisso e estão constantemente a criar narrativas atraentes e capazes de captar a atenção”. Por último, João Teixeira Lopes considera que “a política de identidades tem também um papel decisivo”.
As polémicas entre o Chega e os partidos de esquerda têm dominado a agenda política. Teixeira Lopes aconselha cautela: “É preciso saber contar até dez antes de reagir. Há declarações que não podem ficar sem resposta, mas convém não exagerar para não lhe dar ainda mais protagonismo”.
António Costa não ignorou a “excitação mediática” à volta dos partidos mais pequenos. Numa entrevista ao Jornal de Notícias, o primeiro-ministro considerou “incompreensível que, no dia em que o PSD disputa a segunda volta da eleição da sua liderança, tenha sido dado mais tempo mediático ao Livre do que ao PSD”.
As polémicas dão votos? Mas aparecer constantemente nos meios de comunicação social tradicionais e nas redes sociais nem sempre é sinónimo de votos. Arons de Carvalho considera que ainda é cedo para perceber se a visibilidade dada aos novos partidos pode transformar-se em votos, mas alerta que “há atitudes e polémicas que desfavorecem” esses partidos.
Carlos Abreu Amorim não tem dúvidas de que, se as eleições fossem hoje, o Livre não teria o mesmo sucesso e considera mesmo que Joacine “corre o risco de desaparecer”. Já o Chega poderá eleger mais deputados. “Todos os dias me falam no André Ventura. Isso significa que a estratégia dele está a resultar. O Chega tem tido uma estratégia comunicacional muito inteligente”.
Arons de Carvalho partilha da ideia de que dificilmente “esta grande mediatização” poderá beneficiar a deputada eleita pelo Livre. Mas não descarta que o Chega possa ganhar votos, acompanhando o “crescimento de algumas forças políticas mais radicais à direita, a nível europeu”.
As sondagens têm apontado para um crescimento do partido de André Ventura e para uma queda do Livre. Nas últimas eleições, o Chega conseguiu cerca de 67 mil votos. O Livre conseguiu pouco mais de 57 mil votos a nível nacional. A Iniciativa Liberal ficou à frente de Joacine Katar Moreira, com mais de 67 mil votos, mas não tem tido tanta visibilidade e não se tem envolvido em casos polémicos.
As muitas polémicas com Joacine e Ventura em menos de quatro meses
Ventura repreendido pelo presidente da AR
• O presidente da Assembleia da República repreendeu André Ventura por abusar da palavra vergonha nas suas intervenções. O deputado do Chega classificou a atitude de Ferro Rodrigues como “uma vergonha” e recusou “lições de moral”.
Chega quer devolver Joacine ao país de origem
• A proposta de Joacine Katar Moreira para que o património das ex-colónias em museus seja devolvido às comunidades de origem abriu mais uma polémica. Ventura sugeriu que “a própria deputada Joacine seja devolvida ao seu país de origem”.
Ventura promete afastar extremistas
• André Ventura garantiu que “será retirada a confiança política” a todos os dirigentes do partido com ligações a movimentos de extrema-direita. A revista Sábado noticiou que alguns membros dos órgãos sociais do Chega estiveram em movimentos neonazis.
Polémica com o Bloco e “os amigos do charro”
• André Ventura escreveu, nas redes sociais, que o Chega não recebe “lições de moral dos amigos da marijuana e do charro”. Umas horas antes, o deputado Moisés Ferreira, do BE, tinha acusado o Chega de não ter “gente séria” para discutir o Serviço Nacional de Saúde.
Sousa Lara obrigado a demitir-se
• Sousa Lara, porta-voz do Chega na área da segurança interna, demitiu-se do cargo por não renunciar à subvenção estatal vitalícia. O fim das subvenções vitalícias é uma das bandeiras do Chega e, depois de muitas críticas, o ex-governante demitiu-se.
Joacine saiu do Livre depois de muitas polémicas
• A tensão entre a direção do Livre e Joacine Katar Moreira durou quase três meses. O partido retirou a confiança política a Joacine e a deputada optou por passar ao estatuto de deputada não inscrita. Joacine desvinculou-se há uma semana do Livre.
“Larguem o osso” e outros tweets do assessor
• Rafael Esteves Martins, assessor de Joacine, manifestou nas redes sociais o seu descontentamento com os jornalistas. “Larguem o osso”, escreveu o assessor, que se queixou de um jornalista que entrou no gabinete da deputada.
Deputada pede segurança para evitar jornalistas
• O assessor de Joacine pediu ao serviço de segurança do Parlamento para acompanhar a deputada porque esta não queria fazer declarações aos jornalistas. O caso gerou polémica e obrigou à intervenção do presidente do Parlamento.
Fotografia com os olhos fechados
• Joacine tentou impedir a publicação de uma fotografia oficial da comissão parlamentar do Ambiente no site do Parlamento, mas sem sucesso. A deputada, eleita pelo Livre, aparecia de olhos fechados nessa fotografia.