Há uma música no novo álbum dos Fat White Family, Serfs Up!, lançado em abril do ano passado, que se chama I Believe In Something Better, uma espécie de hino dedicado à nova vida da banda, visto que os seus membros saíram do ambiente caro e corrupto de Londres trocando-o pelo "countryside" de Sheffield, uma cidade “mais pequena e calma” como descreveu Lias Saoudi, o vocalista em entrevista ao i.
Queremos acreditar em algo melhor para os Fat White Family. Os rapazes passaram por demasiado. Brigas internas, excessos e exageros com drogas pesadas e graves problemas de saúde (o vocalista, Lias esteve às portas da morte devido a uma pneumonia), obrigaram a banda a alterar os seus hábitos, rituais e maneiras de ser.
Ao subir para cima de palco, parecem homens diferentes de quando se apresentaram pela primeira vez em Portugal em 2016, no Reverence Valada, festival que lhes ficou a dever 5 mil euros, garantiu Lias na citada entrevista. Primeiro, porque grande parte da formação está diferente. “Somos mais um projeto do que uma banda”, explicou-nos. Agora até contam com um saxofonista, Alex White, com uma frondosa mullet, que, segundo Lias contou ao The Guardian, apenas está na banda porque o seu “inacreditável” cabelo lhe faz lembrar o Brad Pitt no filme Legends of the Fall. Nesta noite, Saul Adamczewski, guitarrista e um dos principais compositores da banda, nem chegou a estar presente em palco.
O próprio Lias parece um homem novo. Entra em palco de fato (apesar de ser grande demais) e parece um pouco mais controlado do que o diabrete que durante anos deu a cara e voz por uma das bandas mais caóticas dos últimos tempos. Óbvio que este disfarce não tarda a cair.
A banda inglesa entra em palco ao som da poderosa Auto Neutron, uma gloriosa entrada e o ponto de encontro perfeito entre o garage rock e o post punk. Lias não tarda muito a lançar-se para o meio do público e a cantar no meio da confusão e do moche pit. Com êxitos como Hits Hits Hits ou I Am Mark E. Smith os Fat White Family tornaram o LAV na discoteca mais depravada – e mais suada – de Lisboa.
Quando chegava ao contagiante single de 2014, Touch The Leather, o concerto ainda nem ia a meio e o homem já estava em tronco nu. Não víamos cabedal, mas sim a pele reptiliana de um extraterrestre que tem levado a música rock a limites pouco vistos na sua geração.
Os Fat White Family são um animal com poucos semelhantes. Um bicho que sobe para cima de palco com 6 cabeças e que usa o seu humor negro e sardónica como veículo para passar as suas mensagens. Enquanto os IDLES, banda que o vocalista considera como “woke rock desinteressante”, tem um discurso ativista que pode ser considerado politicamente correto com mensagens a favor de imigrantes e contra a masculinidade tóxica, os autores de Feet, faixa que dedicam à Pitchfork, publicação que o vocalista acusa de racista, traz uma letra tão afiada quanto as garras do Wolverine.
“Caucasians sashimi in a sand nigga storm”, é uma referência direta a um post em que a Pitchfork acusou a banda de ser racista por ter usado a expressão “sand nigger” num post do Twitter, quando na realidade esta (retirada de contexto, estava a ser usada para gozar com Boris Johnson), era um dos insultos que Lias e o seu irmão Nathan, também na banda, mais ouviram ao crescer devido à sua herança argelina.
Os Fat White Family, podem não ser a banda perfeita, nem uma banda para todas as pessoas. São agressivos e provocadores e é normal que nem toda a gente esteja com paciência para os aturar. Mas quem ficou até ao fim e perdeu a cabeça com os delírios do conjunto, cantando a plenos pulmões músicas sobre lançarem bombas na Disneylandia (Bomb Disneyland) ou sobre felácio (Is It Raining In Your Mouth), sabe que estamos perante uma das bandas mais únicas e especiais dos últimos anos. "Oh i believe in something better”.