As cidades, o crescimento e a sustentabilidade


As cidades são organismos vivos. Mudam. Adaptam-se. Transformam-se. Sendo a unidade política mais decisiva do século XXI, a cidade é o grande motor de transformação.


Vivemos no tempo de erosão das estruturas mediadoras. Por todo o lado, nos setores económicos, culturais e políticos, o centro e as ideias moderadas estão a sofrer uma recessão acelerada. O debate, seja qual for o tema, tende a cair para posições de irreconciliabilidade total. Uma das ideias mais populares entre uma certa troupe fanático-pseudo-ecologista tende a erguer-se contra tudo o que é desenvolvimento. Como se todas as políticas fossem malignas e todo o crescimento fosse mau – o que não é dizer que todo o progresso é bom. É gente utópica, revolucionária, arrogante. Gente que, da tribuna instalada nos seus iphones, acredita que o homem tem de voltar a viver com o bom selvagem. Que os Governos têm a obrigação de atropelar todos os direitos e transformar o mundo num jardim do Éden.

Esse discurso está recheado de falácias. Sinalizemos o que importa: o desenvolvimento das cidades é compatível com os valores da sustentabilidade e preservação do ambiente.

Primeira falácia: o aumento da população nas cidades é sinónimo de crescimento desenfreado.

Pela primeira vez na história da humanidade, há mais gente a viver nas cidades do que no campo. Por ordem de razão, as cidades do século XXI terão mais gente do que as cidades do século XX. Mas não iludamos o problema: muitas cidades, em todo o mundo e também no nosso país, adotaram modelos de desenvolvimento absolutamente anárquicos. A pressão populacional, motivada por movimentos migratórios, somada à impreparação política, à incompetência técnica, aos alçapões legais e a uma menor cultura de sustentabilidade, curto-circuitaram o planeamento urbano para gerações. Estamos ainda a pagar o preço desse mau planeamento. Isto é um facto. Mas dize-lo não exclui outro facto: as cidades mais vibrantes e cosmopolitas do mundo são as que mais atraem as pessoas e as famílias.

Cascais tem hoje mais gente do que há uma década. Mas também tem mais espaços verdes, tem mais empresas e emprego, tem mais cultura e mais universidades, tem mais serviços e mais prosperidade para o maior número.

Vários indicadores provam que este território se tornou atrativo aos olhos de uma percentagem muito significativa de cidadãos. Gente de todo o mundo – 86% das nacionalidades do mundo estão representadas no nosso concelho, perfazendo um total de mais de 20% da população – acredita que é neste lugar que pode realizar o seu projeto de felicidade e usufruir de uma qualidade de vida ímpar.

Que fique clara esta relação: mais gente não é menos qualidade de vida. Viena, Zurique, Auckland, Munique e Vancouver: este é o top 5 das cidades com mais qualidade de vida no mundo. Em todas elas a população aumentou nos últimos anos.

Conclusão: o número de pessoas é certamente o factor a ter em conta, mas não é isso que define se uma urbe tem ou não tem qualidade de vida. O que faz a diferença é o modelo de desenvolvimento da cidade e a visão de futuro dos seus respetivos governos locais.

Quem, como Cascais, adotou um modelo de desenvolvimento sustentável – com mais criação de espaços verdes urbanos, com preservação das florestas, com a devolução dos pinhais municipais às populações, com um Estado Social local que aposta na cultura, na educação, na saúde e no emprego – é obviamente mais competitivo e mais atrativo. As pessoas seguem a qualidade de vida.

Segunda falácia: construir é piorar a cidade.

Todos concordaremos que a construção mais sustentável de todas é aquela que nunca saiu do papel. Mas alguma coisa terá sempre de ser construída se admitirmos que, para viverem, os humanos precisam de casas e precisam de estruturas e apoio à vida em sociedade.

Tomando este truísmo como ponto de partida, convém também sublinhar que as cidades são organismos vivos. Mudam. Adaptam-se. Transformam-se. Não são estáticas. Pelo contrário, sendo a unidade política mais decisiva do século XXI, a cidade é o grande motor de transformação.

Que papel sobra então ao decisor político?

Nem arrogância desenvolvimentista, nem cristalização pusilânime.

Em primeiro lugar, o decisor tem o dever de preservar todo o património, material e imaterial, que une as gerações ao longo do tempo em torno de uma identidade comum. Em segundo lugar, e estando na posse do poder da caneta, deve tomar todas as medidas que mitiguem o impacto das novas construções. Em terceiro lugar, deve ter uma visão clara do que é a medida da sustentabilidade no presente e no futuro. Para que se deixe às gerações dos nossos filhos uma cidade melhor do que aquela que herdamos da geração dos nossos pais.

Em políticas concretas isto quer dizer o quê?

Em Cascais estamos vinculados a inabaláveis princípios de sustentabilidade e resiliência.

Perante a ameaça das alterações climáticas, incorporamos matérias de proteção civil no Plano Diretor Municipal e reduzimos drasticamente o número de licenciamentos. Olhando para os últimos 20 anos, a presidência de José Luís Judas teve um pico anual de 2670 licenciamentos habitacionais, seguida da presidência de António Capucho com um pico anual de 2432 (para uma média de 1305/ano) e, na minha presidência, um valor máximo de 567 (média de 375/ano).

Estes números não correspondem apenas a uma diminuição no número absoluto de licenciamentos. Correspondem também a uma alteração profunda de perfil de desenvolvimento: onde antes tínhamos novas construções, agora temos essencialmente requalificação de edificado (exemplo do edifício NAU, do Hotel SANA, no Estoril, ou da Universidade de Medicina da Universidade Nova no antigo Hospital José de Almeida, na Parede) ou fecho da malha urbana e de zonas já urbanizadas.

A estratégia passa por, paulatinamente, substituir os frutos do velho desordenamento territorial por novo e sustentável desenvolvimento urbano.

Com um ambicioso plano de Habitação Pública, estamos a dar novos usos (e mais racionais) à habitação. Introduzimos no planeamento urbano os conceitos de co-living e co-working. Somos muito mais exigentes com quem quer desenvolver um projeto – questões como a eficiência energética e a incorporação de novos materiais são fulcrais. E, por último, entendemos que a Mobilidade é o sistema vascular das cidades. Para além do programa de mobilidade rodoviária gratuita para quem estuda, trabalha ou vive em Cascais, estamos a criar as infraestruturas que suportem toda a vida sustentável na urbe.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira