De acordo com os especialistas, as principais atuações requeridas em Portugal em termos de adaptação às alterações climáticas são: a gestão otimizada dos recursos hídricos para combater a ameaça de secas e um sistema de recolha e utilização mais adequada das biomassas florestais como atuação preventiva da propagação dos fogos rurais.
A gestão otimizada dos caudais dos rios é, assim, uma das prioridades que se colocam à engenharia portuguesa para contribuir, com os melhores recursos tecnológicos existentes, para salvaguardar a integridade física dos cidadãos e assegurar que o país dispõe de água suficiente para a sua viabilidade económica .
Sendo o Mondego o maior rio cuja bacia hidrográfica se situa totalmente em território nacional, nenhuma razão temos para culpar os nossos vizinhos espanhóis pelo que de mal aí possa ocorrer – ao contrário do que acontece com alguma frequência com a bacia do Tejo.
Foi, assim, com grande preocupação que se assistiu, a 23 de dezembro do ano passado, ao rebentamento dum importante dique no Baixo Mondego que colocou em risco de vida milhares de portugueses e inundou muitos milhares de hectares de algumas das terras agrícolas mais férteis do nosso país.
Dado que Portugal tem de aproveitar ao máximo os recursos hídricos de que dispõe para minimizar o risco de secas, as importantes obras da hidráulica realizadas na bacia do Mondego entre 1980 e o início deste século carecem agora de ser completadas para que a água que aflui a esta bacia seja devidamente aproveitada em termos de utilização humana, de produção de energia hidroelétrica e da agricultura. Como, na atual orgânica governativa, é o Ministério do Ambiente e Ação Climática o responsável pela gestão da bacia do Mondego, foi com a maior perplexidade que se ouviram afirmações muito controversas do respetivo titular que pareciam indiciar que “ a engenharia portuguesa se deveria demitir de colocar o seu melhor saber em defesa das populações e das atividades económicas do Baixo Mondego”.
No mesmo sentido se pronunciaram algumas ONG (organizações não governamentais) que, embora não tendo responsabilidades no processo, têm um peso muito significativo junto da opinião pública pelo eco que muitos órgãos de informação dão às suas frequentes tomadas de posição.
Felizmente que a Ordem dos Engenheiros, pela voz de alguns dos melhores especialistas em hidráulica da Região Centro, veio pôr a questão nos devidos termos: a necessidade urgente de se completarem os trabalhos de hidráulica de toda a bacia do Mondego e de se estabelecer um sistema coordenado da gestão dos respetivos caudais e reservas hídricas, incluindo o reforço de armazenagem em novas barragens.
Apesar desta posição da Ordem dos Engenheiros, o que se tem passado depois disso continua a causar as maiores preocupações:
Aquando da visita de Marcelo Rebelo de Sousa aos terrenos alagados do Baixo Mondego, em 28 de dezembro passado, o ministro do Ambiente declarou que as obras de “reparação provisória” dos diques já se tinham iniciado. Embora esta declaração tenha aparentemente desmentido a anterior “ameaça de nada ser feito”, ficou a dúvida sobre qual o projeto de reparação definitiva dos diques do Baixo Mondego, e quem o está a elaborar;
O que passou na televisão foram apenas camionetas a descarregar pedra para recuperar a altura dos diques destruídos. Mas ninguém esclareceu quem estava a fazer os projetos das reparações, tanto a provisória como a definitiva;
Dado que, ao que parece, o dono da obra é a Agência Portuguesa do Ambiente, que é um organismo do Ministério do Ambiente aparentemente pouco vocacionado para este tipo de projetos, ficou a dúvida sobre se seria solicitada a colaboração de outros organismos do Estado, a começar pelo LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que dispõe de especialistas de reconhecida competência nesta área.
A decisão política sobre questões relevantes, como a gestão dos recursos hídricos da bacia do Mondego, carece duma análise estratégica prévia das questões tecnológicas envolvidas. E de quem a prepare com competência e tendo em vista o interesse dos portugueses.
De outra forma essas decisões políticas conduzirão sempre a remendos parcelares e ineficazes.
O desastre ocorrido no Baixo Mondego a 23 de dezembro passado – e o que aí se está a passar depois disso – é um sinal de alerta para que a engenharia volte a ter um papel determinante na resolução das questões ambientais com que Portugal se defronta.
Para que as decisões políticas sejam tomadas no interesse do conjunto dos cidadãos, e não apenas dos grupos de pressão com visibilidade mediática.
Assim o exige uma democracia de qualidade.
Professor catedrático do Instituto Superior Tecnico
Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”