Há pessoas com responsabilidades que acreditam que a luta contra o aquecimento global se resume a mostrar simpatia por Greta Thunberg. Não basta. Quando o assunto são as alterações climáticas, exige-se menos conversa e mais ação. Menos politicamente correto e mais coragem.
Cascais é, desde o dia 1 de janeiro de 2020, o primeiro município do país com transporte rodoviário gratuito. Gratuito dentro das fronteiras do concelho e para quem vive, estuda ou trabalha no concelho. Cascais, município pioneiro em Portugal na adesão aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, dá assim mais um passo para afirmar a consistência das suas políticas de sustentabilidade ambiental e qualidade de vida para o maior número.
Com o novo ano ainda nos seus primeiros dias, já são dezenas de milhares os cidadãos que procuraram desde logo aderir ao programa Viver Cascais – prova de que esta é uma política que serve uma necessidade latente dos cidadãos. Há ainda muito a fazer e alguns desafios para resolver. Quando se é pioneiro e abre caminho, o mais natural é que se entre frequentemente em território desconhecido. Estamos a trabalhar para reforçar a nossa capacidade de responder a todos os pedidos, mas uma coisa é certa: não há ninguém que fique de fora da era da mobilidade gratuita.
Cascais iniciou uma revolução na mobilidade em Portugal. Essa revolução mostra ao país que está nas autarquias – e na de Cascais em particular – a capacidade de dar respostas audazes a velhos problemas. Mais importante: é uma revolução que cumpre o espírito da Constituição. Talvez muitos não tenham essa perceção, mas a mobilidade é um direito constitucional. Não há verdadeira liberdade sem uma política de mobilidade forte e democrática.
O programa Viver Cascais – mobilidade rodoviária gratuita dentro do concelho para todos os cidadãos residentes, trabalhadores e estudantes – é, pois, o nosso maior projeto político em 2020. É o culminar de um caminho que começou em 2016.
Nesse ano, em cima de eleições, Cascais correu um enorme risco ao assumir-se como Autoridade Municipal de Transportes. Logo em julho desse ano apresentaria a Plataforma MoBiCascais, que reúne não apenas todos os operadores de transporte, públicos e privados, mas também toda a oferta (bicicleta, estacionamento, comboio, metro e autocarro) numa única interface: o telemóvel e as plataformas digitais. Em 2017 criámos as primeiras carreiras gratuitas para jovens até aos 12 anos (mais tarde alargadas até aos 14), bonificámos os seniores (com valores de passes muito reduzidos) e inspirámos o passe metropolitano com o nosso passe conjunto a preços baixos (20 euros/mês para toda a mobilidade interna).
Em 2018 fomos os primeiros a defender a solução de BRT (faixa dedicada para bus) na A5 como forma de ultrapassar os congestionamentos de tráfego rodoviário no eixo Oeiras-Lisboa, uma vez que os maiores abrandamentos estão depois das portagens de Carcavelos.
Em 2019 continuámos a inovar na mobilidade e fomos um verdadeiro território-laboratório: colocámos o primeiro autocarro autónomo a circular na rede pública em Portugal e fomos a única câmara a lançar concurso público internacional para a concessão de transporte rodoviário – um processo que decorre de uma imposição europeia (até final de 2019) e que está genericamente atrasado em todo o país.
Enquanto Cascais aguarda que chegue ao fim o processo judicial interposto por uma das empresas que se apresentaram a concurso público internacional, que teve como vencedor o grupo Martin (que, entre outras grandes cidades espanholas, opera em Madrid), só muito recentemente a Autoridade Metropolitana fechou o seu caderno de encargos. E honrando os técnicos e políticos que em Cascais têm tido razão antes de tempo no desenho das grandes linhas de força de mobilidade, introduzindo no seu caderno de encargos requisitos semelhantes aos que plasmámos: por exemplo, o pagamento ao quilómetro – uma mudança de paradigma que exigiu coragem. As mudanças mexem com interesses estabelecidos porque reduzem as margens dos operadores. E quando se mexe nos interesses há sempre maré de retorno. O que não nos tem faltado, nem faltará, é coragem e força para a suster.
Como se paga um programa destes sem aumentar impostos? Não há segredos – até porque nada nos agradaria mais do que ver outros concelhos tomar semelhante iniciativa.
O programa Viver Cascais custa 12 milhões de euros/ano. É financiado maioritariamente com receitas do estacionamento tarifado e verbas do IUC que decorrem da captação em Cascais de entidades financeiras e locadoras de automóveis – como se sabe, independentemente do lugar por onde circulem os automóveis, o imposto é sempre pago no concelho onde as empresas têm a sua sede. Pequenas percentagens do financiamento do programa decorrem de receitas da taxa turística e de publicidade em espaço público.
Como dizia atrás, iniciámos uma revolução. Mas estamos apenas no princípio. No que diz respeito ao transporte rodoviário, e sem afetar em nada a sua gratuitidade, estamos num período de transição que durará até que termine a litigância. Encerrada essa janela, e de acordo com os pressupostos do concurso, entraremos numa nova fase do transporte rodoviário: com mais carreiras, com melhores autocarros, com mais frequência e maior coordenação com o comboio. Com mais liberdade de utilização para os cidadãos.
Quanto à política de estacionamento, lançaremos um pacote de 100 minutos diários grátis para residentes. E porque toda esta política é coerente, estamos a negociar com a CP um entendimento que estenda a gratuitidade aos caminhos-de-ferro dentro de Cascais.
A mobilidade urbana é uma cadeia de valor enorme, capaz de distribuir benefícios horizontalmente por toda a sociedade e por todos os setores de atividade.
Quando toda a gente fala de alterações climáticas, a nossa política de mobilidade dá resposta efetiva a esses problemas, criando uma alternativa gratuita ao automóvel e com menos emissões de gases com efeito de estufa.
Quando toda a gente fala de desigualdade, a nossa política é o maior promotor de coesão territorial e social e de democraticidade no usufruto do concelho que Cascais conheceu nas últimas décadas.
Quando toda a gente fala da necessidade de crescimento, a nossa política atrai pessoas e empresas, é amiga do ambiente e ainda deixa no bolso dos cidadãos recursos importantes para a economia local.
Por todas as razões, a era da mobilidade livre é um passo em direção a um futuro mais sustentável, mais responsável e mais próspero.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira