Greta Thunberg. A chegada de um ‘símbolo’ ao país que caminha a passo de caracol

Greta Thunberg. A chegada de um ‘símbolo’ ao país que caminha a passo de caracol


A jovem sueca chegou ontem a Portugal e à sua espera estavam algumas dezenas  de pessoas. Os portugueses quiseram agradecer e gritar bem alto que “a voz  da Greta é a nossa voz”.  Mas muitos dizem  que o ambiente ainda  é só para alguns.


Um cartaz que dizia em letras garrafais “menos aviões, mais imaginação”, uma camisola contra os aviões e um avião a sobrevoar a Ponte 25 de abril em direção ao aeroporto da cidade de Lisboa – este foi o cenário da receção a Greta Thunberg. Além das palmas. Ainda que os atrasos sejam associados aos aviões, a jovem ambientalista chegou esta terça-feira à capital portuguesa a bordo do veleiro La Vagabonde. Às oito da manhã, poucas dezenas de pessoas esperavam Greta Thunberg na doca de Santo Amaro, mas só depois do meio-dia é que se avistou o veleiro que saiu há três semanas dos Estados Unidos – de onde supostamente iria partir para o Chile, local previsto para a cimeira COP25, depois transferida para Madrid.

Os apoiantes iam chegando à medida que o sol fazia frente ao vento que todos sentiam na pele, mas a espera cansou alguns incómodos e houve quem não esperasse pela jovem sueca. O cansaço só não chegou ao grupo de ambientalistas que tocou tambor durante a manhã inteira, sem nunca parar. O som dos tambores ia aumentando ao ritmo dos ponteiros do relógio e eram muitos os que batiam o pé ao ritmo do grupo. “A voz da Greta é a nossa voz”, catavam, em inglês.

Os miúdos faltaram às aulas, mas “se faltam às aulas para as atividades de desporto, por exemplo, também podem faltar esta quarta-feira – há valores que são mais importantes”, disse Carolina, uma das muitas mães que acompanhavam os filhos.

 

A consciência pelo ambiente é gradual

Entre tambores, Mila dançava. Mas não dançava sozinha. O seu cão estava lá para a acompanhar e, mesmo, sem trela, só queria saltar. Em Portugal ainda há muito para fazer no que toca ao ambiente. “Mas essa consciência é gradual, tem de partir de cada um e nós, sozinhos, não conseguimos fazer nada, é preciso que muitos façam, é preciso movimentos como estes que juntem muitas pessoas”, explicou Mila. É designer e, há quatro ou cinco anos, viajou até ao Vietname. Nessa altura, sabia o que era a pegada ecológica, “mas não queria saber”. Estava numa praia do Vietname quando percebeu que havia mais lixo do que areia. E o momento do click foi aí. “Voltei para Portugal, comprei a primeira garrafa de bambu e, a partir daí, comecei a comprar roupa usada, umas colegas começaram a fazer os detergentes em casa, por exemplo, e esta quarta-feira já compro a granel”, contou Mila. Esta consciencialização foi crescendo e a designer esteve esta terça-feira na doca de Santo Amaro para receber Greta Thunberg, porque é preciso agradecer: “A Greta é um símbolo e o importante é o movimento”.

Ainda que em menor número, os mais velhos marcaram presença na receção à jovem sueca. E a perceção da realidade é diferente quando os anos também já pesam. “Acho que, na verdade, as pessoas estão-se nas tintas. Vejo todos os dias pessoas a deitar lixo para o chão. Ainda na semana passada, estava no Colombo para apanhar o autocarro e uma senhora deitou um papel para o chão e disse-lhe que ‘se fosse na Alemanha não fazia isto’”, contou Teresa Maurício, que estava acompanhada pela filha de 40 anos. Para esta mulher, é muito difícil mudar mentalidades, por isso é que é importante o dinamismo dos jovens: “Já vi muita coisa e acho que as coisas têm de começar a mudar pelos mais jovens, nós já fizemos muita coisa mal”.

Sobre esta realidade, Greta Thunberg foi clara e, à frente dos manifestantes que a esperavam desde as oito da manhã e depois do discurso do presidente da Câmara Municipal de Lisboa Fernando Medina, fez questão de lembrar: “Muitas pessoas não querem a mudança e fazem de tudo para a evitar, mas nós faremos com que eles tenham de mudar”. A jovem sueca agradeceu a presença dos portugueses e garantiu que não vai desistir de lutar pelo ambiente.

 

Ambiente não se mistura com política?

As premissas ambientalistas eram comuns a todos os presentes: “É preciso fazer alguma coisa”, ou “temos de estar todos juntos para conseguir salvar o ambiente”. Mas havia uma opinião que dividia – uns diziam que o ambiente deve estar longe dos partidos e outros diziam que era importante que a política estivesse ali presente. “Os políticos estão aqui para a fotografia”, ouve-se durante a entrevista de um dos deputados presentes a um canal de televisão. Para Sandra, que trabalha num departamento informático, “devia ser obrigatório estarem cá os políticos todos, porque são eles que propõem e aprovam leis”. “Se eles não quiserem saber do ambiente, quem é que o vai defender em última instância?”, questiona.

Na verdade, a esfera política estava ali representada. Joacine Katar Moreira, do Livre, André Silva, do PAN, Maria Begonha do PS, José Maria Cardoso do Bloco de Esquerda e Hugo Carvalho do PSD. A falta foi marcada ao CDS e ao Chega. Aliás, André Ventura, o deputado único do Chega no Parlamente fez questão de dizer na segunda-feira à noite, em comunicado, que não alinha neste “tipo de palhaçadas internacionais”, que “a luta por um planeta sustentável não se faz com greves às aulas” e, por isso, não iria receber Greta Thunberg. “É preciso não esquecer que a jovem ativista recusou, por alegada falta de tempo, o convite que lhe foi endereçado pelo senhor Presidente da Assembleia da República para discursar na casa da democracia portuguesa”, acrescentou o líder do Chega. Sobre esta ausência, na doca de Alcântara, a opinião foi unânime: “Se fosse uma manifestação de polícias já vinha”, disse um dos participantes. Também João Almeida, do CDS, apelidou a chegada de Greta Thunberg a Lisboa de “circo” e disse nas redes sociais que “a cedência de muitos políticos a esse triste espetáculo mostra a superficialidade dos tempos que vivemos”.

Políticas à parte, os aviões continuam a passar por Lisboa, onde Greta Thunberg ficará até sexta-feira. Depois, segue em direção a Madrid para a Conferência da Organização das Nações Unidas. A viagem entre a capital portuguesa e a espanhola será feita de comboio, movido a gasóleo – polui menos do que o avião