O caso é inédito em Portugal: o órgão de disciplina dos juízes decidiu avançar para a expulsão do desembargador Rui Rangel antes ainda de haver acusação da justiça – que estará para breve. Rui Rangel pode ainda recorrer, mas esta decisão do Conselho Superior da Magistratura reflete já a gravidade das suspeitas que recaem sobre o polémico juiz, assim como sobre a sua ex-mulher, também desembargadora na Relação de Lisboa, Fátima Galante. Esta última ficou sujeita à segunda pena mais pesada – a de aposentação compulsiva.
Mas para que se perceba melhor a gravidade dos factos, e perante o sigilo do órgão de disciplina dos juízes, é preciso recordar o que o Ministério Público reuniu já contra Rui Rangel no âmbito da Operação Lex. O Departamento Central de Investigação e Ação Penal divide em três núcleos os alegados crimes que terão sido praticados pelo magistrado.
Em primeiro lugar, as “solicitações e promessa de intervenção de Rui Rangel, a troco de vantagens de natureza patrimonial, para o exercício de influência sobre terceiros decisores públicos, designadamente juízes”.
É neste primeiro ponto que se destaca a relação entre Rangel e o empresário José Veiga, que terá pago para obter a ajuda do juiz da Relação de Lisboa num processo que corria no Tribunal Tributário de Lisboa e, mais tarde, no recurso que chegou à Relação, “no âmbito do qual José Veiga viria a ser absolvido da prática de crimes de fraude fiscal e de branqueamento, crimes nos quais havia sido condenado em primeira instância”.
Além disso, entram também neste primeiro quadro de crimes a influência que Rangel terá exercido a favor de Luís Filipe Vieira, com a mediação do advogado Jorge Barroso, “junto da titular do processo 1297/13.BESNT do Tribunal Administrativo Fiscal de Sintra, a troco de um posto futuro na direção do Sport Lisboa e Benfica ou na Universidade que tal clube projeta instalar no Seixal”.
É ainda destacada a influência do magistrado da Relação de Lisboa junto de colegas do mesmo tribunal num processo laboral no qual eram intervenientes Pedro Sousa, ex-diretor de comunicação do Sporting, e o Sporting Clube de Portugal – alegadamente pedida por José Veiga.
O segundo núcleo de crimes diz respeito à “ocultação e conversão das vantagens auferidas com a atividade suprarreferida através da faturação de serviços fictícios e utilização de contas bancárias de terceiros comparticipantes”. Rui Rangel, refere a investigação, receberia o dinheiro em numerário ou através do pagamento de despesas. Como comparticipantes no esquema, o Ministério Público elenca o advogado Santos Martins, o filho deste, Bernardo André Santos Martins, a magistrada Fátima Galante, a companheira de Rangel à data, Rita Figueira, o seu pai, Albertino Figueira, Nuno Proença, Bruna Amaral e João Rangel.
O terceiro núcleo de crimes descrito pela investigação prende-se com o “desenvolvimento de uma atividade remunerada de prestação de serviços jurídicos de natureza privada (muitos dos quais para clientes africanos e indivíduos de nacionalidade portuguesa arguidos em processos-crime pendentes em tribunais sob a alçada da competência decisória do Tribunal da Relação de Lisboa, como é o caso de Natércia Pina) incompatíveis com o cargo de juiz, associada à ocultação fiscal dos proventos respetivos”.
Além disso, suspeita-se que o desembargador da Relação de Lisboa oferecia a terceiros os seus serviços enquanto juiz, o que poderá vir a ser comprovado com o “cruzamento da listagem de clientela com os processos que lhe foram distribuídos”. Será aqui que, para os investigadores, entrará a corrupção.
O advogado João Rodrigues, que já foi presidente da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), é outro dos arguidos deste caso. Segundo a Sábado, Rodrigues aparece nesta teia porque os investigadores terão descoberto que Rangel (centro de todo este caso) contactou um alegado emissário do banqueiro angolano Álvaro Sobrinho – o advogado e ex-presidente da FPF.
Em 2015, Rui Rangel foi um dos magistrados que decidiu favoravelmente um recurso interposto por Sobrinho, colocando um ponto final no arresto de bens que havia sido decretado pelo MP e pelo juiz de instrução criminal Carlos Alexandre.