Volto ao tema das radiações, pretendendo esclarecer mais alguns aspetos desta questão, na sequência do artigo anterior. O foco nos telemóveis não é justificado, e medidas realizadas em Portugal nos últimos anos permitem descansar-nos quanto à utilização dos telemóveis e à proximidade das antenas das estações-base espalhadas pelo país todo.
Como referi anteriormente, existem instituições a nível internacional que representam o estado do conhecimento científico disponível até hoje sobre a exposição à radiação eletromagnética, que incluem a Organização Mundial da Saúde (WHO na terminologia em inglês) e o Comité Internacional para a Proteção contra Radiações Não-Ionizantes (ICNIRP). Não coloco em dúvida a credibilidade destas instituições e considero que isso não deve ser feito (embora, hoje em dia, haja movimentos para questionar a ciência, nas suas mais variadas dimensões), tomando como válidos os seus métodos, conclusões e recomendações.
A questão da exposição à radiação eletromagnética é claramente multidisciplinar, isto é, envolve áreas da ciência tão diferentes como, por exemplo a medicina, biologia, física, engenharia, psicologia e sociologia. A razão é que embora as raízes da questão estejam nas ciências naturais, estenderam-se posteriormente às outras áreas devido ao impacto mediático que tiveram, muito devido ao foco nos telemóveis. O ICNIRP, que tem as competências transversais necessárias e cujo trabalho é reconhecido pela WHO, estabeleceu em 1998 recomendações sobre os valores máximos de radiações eletromagnéticas que não devem ser ultrapassados. Estas recomendações têm vindo a ser revistas com periodicidade para acolher os resultados mais recentes dos desenvolvimentos da ciência, decorrendo atualmente mais um período de revisão com consulta pública, cujos resultados serão anunciados em maio de 2020.
As recomendações do ICNIRP não se referem especificamente aos telemóveis, mas antes a todas a fontes de radiação eletromagnética nas bandas de frequência em análise. Isto significa que o risco da exposição não é exclusivo dos telemóveis, estendendo-se assim a todos os outros sistemas de telecomunicações e emissores, que vão desde as emissões de rádio e televisão até aos comandos de televisão e portões, passando pelos fornos de micro-ondas, Wi-Fi (conhecido como “internet sem fios”), radioamadores e radares, entre outros. É o efeito cumulativo de todas estas emissões que conta para o cálculo da exposição, ou seja, têm de se contabilizar todas as potências das radiações eletromagnéticas existentes em todas as bandas de frequência em análise.
Em engenharia tomam-se as recomendações dos níveis máximos de exposição como referência, o que permite medir a potência existente num dado local e aferir o risco potencial da exposição nesse local: se o valor medido estiver abaixo do máximo, não existe risco; se estiver acima, o risco tem de ser avaliado em função do valor medido, podendo inclusive identificar-se a fonte de radiação que contribui para esse risco. O foco nos telemóveis e em todas as antenas que lhes estão associadas (as antenas das estações-base que estão espalhadas pelo país todo para que possamos comunicar) não é justificado, ou seja, existem outras fontes que podem contribuir para que a exposição possa ser mais elevada, embora ainda abaixo dos máximos recomendados. No âmbito de um projeto em que o Instituto Superior Técnico é parceiro (o Projeto FAQtos), realizaram-se ao longo de vários anos medidas pontuais (por um período de seis minutos) e extensas (durante três meses) em vários milhares de locais públicos por todo o país; em nenhum desses locais se mediu uma potência superior ao máximo recomendado, e na grande maioria desses locais (95%), o valor medido está pelo menos 100 vezes abaixo desse máximo.
Em conclusão, pode continuar a usar o seu telemóvel e a andar na rua descansado no que que diz respeito à exposição às radiações eletromagnéticas. O risco de ser atropelado por um carro é seguramente muito mais elevado que o de ser exposto a radiações superiores aos máximos recomendados.
Professor de Comunicações Móveis Instituto Superior Técnico