É um dos filmes do momento e que nos leva a revisitar uma das personagens mais enigmáticas da DC Comics.
Até agora, o arqui-inimigo de Batman não tinha passado e a sua história era um mistério. A ideia que prevalecia era que o Joker tinha sido o assassino dos pais de Bruce, mas a realidade agora desvendada é muito diferente. Todd Phillips mostra-nos uma peça fundamental da saga de Batman. Mas, mais importante que o completar do puzzle da saga, é a mensagem subjacente deste magnífico filme de suspense psicológico.
O palco de toda a ação é, naturalmente, Gotham City e o enquadramento provoca-nos uma espécie de déjà-vu quotidiano.
Sobre a qualidade artística, vou abster-me de comentar. Não sou nem tenho intenção de ser um cinéfilo encartado e, neste campo, limito-me a gostar ou não gostar de filmes.
O que me chamou a atenção no filme foi a forma (mais ou menos subtil) com que as mensagens são passadas e uma incontornável sensação de que o mundo, nos dias de hoje, está pejado de potenciais Jokers e muitas, mas mesmo muitas, Gotham Cities.
A solidão, o isolamento, a falta de apoios sociais e, até certo ponto, a indiferença que a sociedade de hoje mostra para com o sofrimento de terceiros são os traços principais de um filme que nos deixa um alerta claro sobre o caminho que temos seguido nos últimos tempos.
Ideologias à parte, há uma clara tentativa de ligar a história de Joker com a história de milhões de pessoas que, anonimamente, estão à parte nas sociedades atuais. Uma história que, a cada momento, nos faz lembrar pessoas e situações com que nos cruzámos. Que analogamente nos faz pensar que poderia tratar-se de um documentário sobre uma cidade na Europa ou nos Estados Unidos.
Um documentário que expõe a incapacidade das sociedades atuais de resolver problemas de integração social, de isolamento, de exclusão, e que resultam em dois fenómenos: um acumular de problemas e um alargamento cada vez maior do fosso que separa ricos e pobres.
De forma cirúrgica, toca nos principais problemas atuais. E de forma quase que apocalíptica aponta para um dos possíveis desfechos para a patente crise social que vivemos nos dias de hoje.
Não querendo ser um spoiler, pois recomendo vivamente a visualização deste filme, o desfecho do mesmo, não sendo surpreendente, é avassalador. Provoca uma sensação estranhamente tranquila e realista. O meu comentário interior foi: sim, isto pode acontecer!
E, de certa forma já acontece. Um pouco por todo o lado e com Jokers ou não, apercebemo-nos claramente que há um balão de descontentamento na base das nossas sociedades que tem vido a encher paulatinamente.
Fantasias e efeitos especiais à parte, são várias as cenas do filme que nos transportam para a vida real.
Os populismos que, cada vez mais, chegam aos nossos Parlamentos não são mais do que resultado da nossa incapacidade de lidar com os problemas atuais. Com a pobreza extrema, com a falta de oportunidades, com a solidão e o isolamento, com as migrações e com o ódio provocado pela indiferença humana.
O discurso fácil que entra como música nos ouvidos dos Jokers desta vida (real) empurra-nos para um beco sem uma saída pacífica.
Estamos a criar cada vez mais buracos na já bastante remendada manta social, ao mesmo tempo que nos vamos tornando mais individualistas e indiferentes.
O conceito de solidariedade vai desaparecendo a cada dia que passa. Mas tentamos enganar-nos, convencendo-nos de que, com iniciativas pífias e ocasionais, não estamos a ser indiferentes.
Esta foi a minha leitura e, claro, cada pessoa terá a sua. Mas estou certo de que ninguém ficará indiferente à mensagem do filme. Compete-nos a nós evitar que surjam Jokers nesta vida.
Escreve à quinta-feira