Há temas polémicos que entram na campanha eleitoral e depois morrem naturalmente, outros prolongam as campanhas até depois das eleições. A forma como a direção da RTP atrasou o regresso do programa de jornalismo de investigação Sexta às 9 após as férias de verão, para que não fosse para o ar antes das eleições, foi notícia em vários meios de comunicação. Mas o tema está longe de ter morrido, sobretudo agora que o programa voltou e trouxe uma reportagem sobre um contrato de exploração de lítio em Montalegre assinado – sem estudo de impacte ambiental – entre o Governo e a empresa Lusorecursos Portugal Lithium e que está a ser investigado pela justiça.
E, nesta continuação de campanha, Rui Rio ainda está ativo.
Após o trabalho ir para o ar, João Galamba, secretário de Estado da Energia no último Governo, acusou o Sexta às 9 de mentir, tendo a coordenadora deste programa, a jornalista Sandra Felgueiras, respondido lembrando que as suspeitas sobre o contrato já levaram o Ministério Público a abrir um inquérito-crime.
Rui Rio voltou à campanha Sábado à noite, quando a polémica em torno do Sexta às 9 estava já centrada no conteúdo da última reportagem e na troca de palavras entre Galamba e Felgueiras, Rui Rio reapareceu e recentrou a discussão no ponto em que ela estava há umas semanas, antes das eleições, trazendo assim para cima da mesa novamente as suspeitas sobre a atuação da direção de informação do canal público, liderada por Maria Flor Pedroso. No Twitter, o presidente do PSD partilhou uma fotografia da jornalista Sandra Felgueiras acompanhando-a do seguinte desabafo: “Porque será que o Sexta às 9 foi suspenso antes das eleições, particularmente este programa, que só pôde ser emitido ontem? Pode haver mil razões, mas perante a gravidade do que aqui está…”
Rui Rio voltou a quebrar a sua regra de falar só depois de a justiça atuar – recorde-se que chegou a considerar julgamentos em praça pública as notícias sobre casos que ainda não tiveram um veredicto dos tribunais – para continuar uma campanha que, na prática, já acabou.
E horas depois retweetou um post de Salvador Malheiro, presidente da Câmara Municipal de Ovar e vice-presidente de Rio, no qual este exigia esclarecimentos à Secretaria de Estado da Energia: “No âmbito da exploração de Lítio, a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) e a Secretaria de Estado da Energia têm de explicar os motivos para exigir estudo de impacto ambiental para uns e dispensar para outros”.
O que revela a reportagem A reportagem da RTP começa por descrever a indignação dos habitantes das aldeias de Rebordelo, Morgade e Carvalhais perante a exploração de lítio na montanha vizinha – o único local onde essa exploração foi concessionada em Portugal.
Quem ali sempre fez a vida estranha a opacidade do processo de concessão de exploração, assinado entre o Governo e a Lusorecursos Portugal Lithium e queixa-se das consequências que a mina a céu aberto terá na sua vida.
Por tudo isso, e por se sentirem à margem de todas as decisões, decidiram não votar nas últimas eleições.
No programa, o ex-diretor da Direção-Geral de Energia e Geologia Mário Guedes, que João Galamba exonerou em novembro do ano passado, confessa que não assinaria o contrato que a DGEG assinou quatro meses após a sua saída.
E as ligações estranhas não se ficam por aqui: segundo a RTP, o ex-secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, envolvido no processo Galpgate (polémica das viagens pagas pela Galp a políticos para assistirem aos jogos do Euro 2016), aparece como consultor da Lusorecursos Portugal Lithium. Contactado, o mesmo confirmou, dizendo, no entanto, que se trata de um acordo informal e que só receberá um fee se conseguir viabilidade da empresa.
Jorge Costa Oliveira pertence ao chamado Grupo de Macau, como Pedro Siza Vieira e Eduardo Cabrita, e é amigo de António Costa. E, questionado sobre se tentou agilizar o processo junto de Galamba ou do ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, disse: “Não vou tecer considerações sobre isso. Eu conheço mal o eng.o João Pedro Matos Fernandes, e o dr. João Galamba, nem sequer o conhecia”. Sobre se houve conversas antes da assinatura do contrato, foi evasivo: “Não sei, posso ter falado, mas não pus pressão nem estive envolvido, digamos, na negociação relativa ao contrato. Volto a reiterar: sou consultor apenas para a parte do financiamento”.
O MPestá a investigar suspeitas de crimes económicos que terão sido praticados no âmbito da concessão da exploração de lítio, durante 35 anos, a uma empresa criada três dias antes.
A reação de João Galamba Pouco depois de a peça ter ido para o ar, o secretário de Estado da Energia do último Governo reagiu, alegando que “a Lusorecursos adquiriu direitos de prospeção e pesquisa em 2012, quando a tutela era do ministro da “Economia à data, Álvaro Santos Pereira” e adiantando que tudo foi feito de acordo com a lei. “O Sexta às 9 alimenta mentiras. Ao contrário do que diz na sua peça, a verdade é que a concessão de lítio em Montalegre foi garantida a partir do momento em que o anterior Governo (PSD-CDS) atribuiu direitos à empresa”, afirmou, continuando: “O Sexta às 9 mente. Apesar de este gabinete ter enviado por diversas vezes respostas com explicações sobre o que diz a lei sobre a atribuição da concessão em causa, o Sexta às 9 insiste em não colocar a resposta dada, optando por continuar a enganar os espetadores”.
Felgueiras responde À letra
A coordenadora do Sexta às 9 decidiu reagir num comentário ao post do ex-governante, que também foi publicado no Facebook, lembrando que se o contrato não levantasse dúvidas, o Ministério Públiconão estaria a investigá-lo: “Caro João Galamba, nenhum político nem servidor público está acima do escrutínio. A sua resposta é o reflexo pleno do total alheamento dos factos que pretende fazer desde o início”, começou por escrever.
“Atacar a solidez das nossas dúvidas é atacar, neste momento, o Ministério Público, que abriu um inquérito-crime”, sublinhou.
“Não posso tolerar que acuse o Sexta às 9 de mentir quando tudo o que revelamos são factos! Comprovados com prova testemunhal e documental e ainda mais sustentados na entrevista do dr. Jorge Costa Oliveira. Compreenda o nosso trabalho. Porque ele é sério. Como sério espero que seja o seu”, concluiu a jornalista.