Destinados a poucochinho


E mais algumas notas sobre as eleições legislativas e o que se segue agora.


1. Fechadas as urnas, ainda os votos mal tinham começado a ser contados e já o país ouvia a secretária-geral adjunta do Partido Socialista a sentenciar a noite eleitoral: uma “grande vitória” do PS. Percebo o entusiasmo. Tratou-se, afinal de contas, da primeira vitória em legislativas de António Costa – a quem nesta página deixo uma saudação democrática.

Mas os rumores sobre essa grande vitória socialista são claramente exagerados.

Olhemos para os números. Em 2019, depois de ter “virado a página da austeridade”, depois de ter “o défice mais pequeno de sempre em democracia”, depois de ter “um Ronaldo nas finanças”, depois de ter transformado o País num paraíso cor-de-rosa invejado por toda a Europa, o melhor que o PS consegue são 36,65% dos votos. E o melhor que o PS consegue é menos do que os 36,86% que Pedro Passos Coelho obteve em 2015, vindo de um período de governação em que teve de tirar o país da bancarrota socialista e ainda foi capaz de dar um horizonte de sustentabilidade a Portugal.

A verdade é esta: o PS, em 2019, continua a valer menos do que a coligação Portugal à Frente em 2015.

Mesmo quando comparamos Costa 2015 com Costa 2019 constatamos que o PS só ganha 118 mil votos.

Isto é muito revelador. Em primeiro lugar, mostra que há uma enormíssima franja de portugueses que vivem num país que não é o Socialistão. Cidadãos que não compram a narrativa dos últimos quatro anos. Em segundo lugar, os números sugerem que o país queria uma alternativa. Os portugueses estão bem cientes sobre quem governa para eleições e quem governa para gerações. Em terceiro lugar, prova-se que o PSD podia ter ido muito mais longe.

Com 27,90%, Rui Rio é responsável pelo pior resultado do PSD no séc. xxi e a segunda pior derrota nos últimos quase 40 anos. Pior do que tinha feito Manuela Ferreira Leite. E pior do que o que conseguiu Santana em número e percentagem de votos.

Podia ter sido diferente? Podia, se a direção não tivesse hibernado e adormecido o partido até à véspera das eleições. Podia, se o presidente do partido se tivesse preocupado mais em fazer oposição a António Costa e menos em tratar mal os seus próprios companheiros. Quando o PSD acordou – com os debates e com a dinâmica de campanha –, a aproximação ao PS foi evidente. Evidente, mas tardia. A consequência é que Portugal vai ter de lidar com mais quatro anos de socialismo, de propaganda e de leilão de agendas ideológicas. Mais quatro anos perdidos. Rui Rio não pode, não deve e não tem autoridade moral para se vitimizar. É que o Partido Social Democrata tem memória. Sabe bem que parte da atual direção nacional de Rui Rio se dedicou a hostilizar um governo PSD que se encontrava em missão de salvação nacional.

António Costa e Rui Rio acabam por estar unidos nos resultados: um não consegue dar mais; o outro não quis dar mais. Destinados a “poucochinho”.

 

2. As segundas legislaturas do PS têm sido traumáticas. Todas têm acabado em pântano ou bancarrota. António Costa vai entrar no túnel de risco psicológico. A frente das esquerdas sobreviveu unida ao tempo das vacas gordas e gozou bem da conjuntura e das reformas estruturais herdadas do passado. Resta saber, e essa é a grande incógnita, como se comportará na altura de tomar decisões difíceis, se o mundo mudar ou se o país exigir que elas sejam tomadas.

Com nuvens escuras a formarem-se no horizonte internacional, a estabilidade é um trapézio.

(É nestas alturas que devemos lamentar não termos tido nos últimos quatro anos um governo com sentido patriótico. Com bom tempo nos mercados, não se aproveitaram as taxas de juro historicamente baixas e o avanço moderado do PIB para reduzir o valor nominal da dívida pública. Como lembrou recentemente António Horta Osório, basta uma variação de 2% nos juros para o custo com a nossa dívida pública ter um impacto de 6% do PIB.)

Tudo aponta para que Costa tente reeditar a mesma solução de Governo, com o suplemento do PAN e do Livre. Isto fará da base de apoio do Governo um albergue espanhol de radicalismos. Dos animalistas aos trotskistas, dos estalinistas aos feministas, os extremos ficam todos debaixo do mesmo teto.

Por mais que se diga o contrário, é evidente que o PS e Costa trabalharam para a maioria absoluta. Os socialistas não vão ter um Governo de mãos livres, mas vão ter um Parlamento de geometria variável que oferecerá sempre a Costa pontos de fuga, à sua esquerda e talvez até à sua direita.

3. A atual configuração parlamentar volta a colocar o Presidente da República no centro do sistema. Marcelo Rebelo de Sousa, que já tinha sido o ponto focal da moderação ao longo dos últimos anos, terá reforçado a sua indispensabilidade perante um Parlamento pulverizado e tendencialmente mais acrimonioso.

Quando o assunto é estabilidade, esperança e Portugal, é com Belém que os portugueses contam.

A noite de 6 de outubro fechou uma eleição, mas abriu outra. Tornou-se inevitável a recandidatura do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

 

Escreve à quarta-feira