1. O 11 de Setembro do presente ano passou quase despercebido em território europeu. No presente ano, assinalou-se o 18.o aniversário de uma das maiores tragédias já vividas no séc. xxi. É um acontecimento que ficará gravado para a posteridade nas páginas da história mais cruel, mais desprezível, mais horrivelmente brutal da humanidade – como não evocar o dia 11 de Setembro de 2001, em que sentados, ainda muito jovens, assistindo a uma emissão regular de televisão, de repente, o “espetáculo” da morte em direto entra em nossas casas, perante a incredulidade, a incompreensão inicial de todos nós?
2. Pois bem, volvidos 18 anos, o mundo já reage com indiferença à indiferença pelo valor intrínseco da vida humana própria dos terroristas. Bem sabemos que a memória dos povos costuma ser curta, preferindo o imediato e desprezando a perspetiva reflexiva do passado que proporciona a perspetiva prospetiva e antecipatória (e construtora) do futuro. As reações na Europa ao 11 de Setembro são uma manifestação sintomática de como o decurso do tempo, conjugado com a falta de memória, transforma em banalidade até a mais perversa maldade. Muitos, em Portugal, com quem contactámos nos últimos dias já não se recordavam da importância do 11 de Setembro como sinal sempre presente, ali no seu passado bem recente, da ausência de fronteiras, limites geográficos, financeiros, de humanidade (ou falta dela) – o atentado em Nova Iorque representou, pois, a mais elucidativa e brutalmente célebre primeira manifestação de globalização do terrorismo islâmico radical. Se o olvido do povo é grave, ainda o é mais a indiferença dos líderes políticos europeus: estes limitaram-se a proferir declarações de circunstância, lateralmente, sem reconhecer a importância da efeméride. Dir-se-á que 18 anos já é muito tempo, tempo suficiente para que a data perca centralidade no discurso político quotidiano, ainda que memorialístico: aí reside, no entanto, o problema essencial. Datas como o 11 de Setembro nunca poderão ser descartadas, subvalorizadas ou remetidas para o esquecimento coletivo, negando-se-lhes a sua atualidade: a condenação firme, incondicional e reiterada das tragédias associadas a estas datas deve revelar-se imune às mutações políticas, sociais, geracionais. Deve ser resistente à voragem mediática que marca os nossos dias. E compete precisamente aos líderes políticos evitar que a falta de memória afete os povos. E a verdade é que o 11 de Setembro tornou-se o aniversário predileto dos terroristas – é (tristemente) curioso que a indiferença dos líderes europeus contraste com as celebrações sempre efusivas da data pelos terroristas, em países em que estes criminosos à escala planetária dominam. Onde são reis e senhores, como no Líbano do Hezbollah ou no Irão dos aiatolas.
3. Como explicar a tolerância pelo mal que hoje está pautando a Europa? Julgamos que a resposta central reside no domínio de certos interesses geoestratégicos de países europeus liderantes (que não propriamente da Europa) sobre razões de humanidade, de decência e até de democracia. Tais interesses conduzem os líderes políticos europeus a uma certa tolerância, se não mesmo amizade colaborante, de facto, com Estados patrocinadores do terrorismo islâmico radical. Até parece que a Europa abraçou a política da inevitabilidade mercantilista do terror: se não podemos vencê-los, ao menos ganhemos dinheiro com eles. Há dias, um reputado especialista em segurança francês contou-nos que a política de Emmanuel Macron relativamente ao Irão pode ser explicada pela invocação de razões de aproveitamento das potencialidades económico-financeiras desse país (a Renault dispõe aí de uma não despicienda quota de mercado), ao mesmo tempo que crê que a sua política de amizade com os aiatolas dissuadirá a prática de atos de terror em solo francês (as fragilidades desta conceção, feita aparentemente, como se viu no G7 com o convite de Macron ao ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano). O que já levou mesmo alguns, até diplomatas, a apelidar o Presidente francês (no que tange à sua relação com o Irão) como o “Micro(n) Mind”. Ou seja: é Macron a colocar-se ao lado dos terroristas, a colocar-se na sua mão, em pura subserviência motivada pelos euros e pelo medo. Tudo o contrário do que deve ser feito.
4. Evocar, com distanciamento crítico e sempre com parcialidade axiológica na defesa dos nossos valores civilizacionais (a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a democracia), o 11 de Setembro impõe-se. Para que a memória nunca se dilua na vertigem dos dias, dos anos, das décadas, dos séculos. Muitas tragédias históricas, julgadas terminadas e puras relíquias do passado, repetiram-se por esquecimento dos homens. Por separação crítica do passado pelas novas gerações. Não repitamos o erro. Honremos a memória das vítimas. Honremos aqueles – como o corajoso polícia de Nova Iorque, da área de Long Island, que conhecemos precisamente no dia 11 de Setembro deste ano (ironias da vida) – que contribuíram para o salvamento de centenas de temerários nova-iorquinos e que ainda hoje sentem as maleitas físicas decorrentes do exercício da operação de salvamento.
5. São estes heróis que nos lembram o imperativo de lembrarmos o inferno passado para evitarmos o inferno no futuro. Relembrando as palavras do Presidente Ronald Reagan, “aqueles que dizem que não há heróis, esses apenas não sabem para onde olhar”. Esses líderes europeus que não querem olhar para os heróis do 11 de Setembro, congratulando-os, e para os terroristas criminosos do 11 de Setembro condenando-os sem contemplações, eles apenas não sabem para onde (e como) olhar. Estão confusos. E andam, há muito tempo, confusos…
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Escreve à terça-feira