“A testa, as bochechas, os braços, as pernas e as mãos do meu filho estavam cobertas de pelos… Foi muito assustador”. O testemunho é da mãe de uma das 17 crianças espanholas que desenvolveram hipertricose, doença conhecida como síndrome de lobisomem, após a toma de um medicamento. Mas estes não são casos únicos – desde o século XVI que existem registos de pessoas que tinham o corpo inteiro coberto de pelos.
No caso destas crianças – residentes nas zonas da Cantábria, Valência e Granada –, a raiz do problema estava na toma de um medicamento específico. De acordo com a imprensa espanhola, a Aemps, agência espanhola que regula o setor dos medicamentos, atribui o problema a uma mistura de remédios, que tinha com objetivo curar o refluxo gastroesofágico, um problema que provoca refluxo ácido no estômago.
Segundo o relatório da Aemps, um dos medicamentos receitados deveria conter omeprazol, um remédio usado para diminuir as secreções gástricas, mas este foi substituído por minoxidil, uma substância que estimula o crescimento de cabelo. De acordo com o Ministério da Saúde espanhol, um lote do remédio para o tratamento de calvície foi erradamente rotulado e acabou por ser misturado com medicação para o estômago devido a um “erro interno”.
Ouvidos pelo El País, os pais das crianças dizem que têm consultado vários especialistas, que acreditam que os sintomadas deverão desaparecer dentro de algumas semanas.
Neste caso, foi fácil perceber a origem do problema, mas a verdade é que a maioria dos casos de hipertricose nada tem a ver com a toma de medicamentos. Trata-se de uma anomalia genética rara, que, muitas vezes, passa de geração em geração. No entanto, em alguns casos, a mutação genética surge de forma espontânea.
E não se trata de um fenómeno recente: desde o século XVI que existem registos de pessoas com este problema. O i conta-lhe a história dos casos mais famosos.
Pedro González
O Homem dos Bosques
N. 1537 Tenerife, Ilhas Canárias, Espanha M.1618 (81 anos) Capodimonte, Viterbo, Itália
‘O homem do bosque’, como ficou conhecido é o caso mais antigo de hipertricose a ser documentado. Pedro González tinha apenas 10 anos quando foi levado para a corte de Henrique II de França e já nessa altura o seu corpo estava coberto de pelos.
“A sua cara e o seu corpo estavam cobertos por uma fina capa de pelos, com uns cinco dedos de largura e de cor vermelha escura, mais finos que os de uma marta e com um cheiro agradável. Como os pelos não são muito espessos, dá para apreciar bem os traços da sua cara”, descreveu Giulo Alvarotto, enviado diplomático do rei a Itália.
Pedro foi enviado para Paris a pedido de Henrique II, que o considerava uma peça preciosa e rara. O rei quis humanizar este ‘jovem selvagem’, como era descrito na corte parisiense, ensinando-lhe latim, história e bons costumes.
Em 1573, casou com Catarina, uma mulher que os historiadores acreditam ter sido uma das damas de companhia de Catarina de Médici. Tiveram seis filhos – quatro herdaram o problema genético. Alguns investigadores acreditam que esta história de amor inspirou o conto de fadas A Bela e o Monstro.
Pedro González morreu em Viterbo, em Itália, aos 81 anos, uma idade bastante avançada na altura. O seu retrato mais conhecido está exposto no Palácio de Ambras, na Áustria.
Barbara van Beck
Um sucesso internacional
N. 16 de fevereiro de 1629, Augsburg, Alemanha M. 1668 (?)
Assim que perceberam que a filha era diferente, Anne e Balthazar Ursler perceberam que tinham de fazer algo para a tornar (minimamente) aceite na sociedade alemã do século XVII. Por isso, Barbara era ainda uma jovem quando começou a aparecer em espetáculos. A cara coberta de pelos chamava a atenção de qualquer um.
O sucesso na sua terra natal fez com que Barbara começasse a ganhar bastante dinheiro. Terá sido esse o motivo que levou Johan Michael van Beck, o seu gerente, a pedi-la em casamento. Assim, já poderia desfrutar de parte dos lucros de Barbara. O casal teve um filho.
E logo a seguir ao sucesso na Alemanha, veio a fama internacional. Barbara van Beck tornou-se um nome conhecido em toda a Europa, com espetáculos em Londres, Paris e outras cidades.
No livro Acta Medica et Philosophica Hafnensis, o físico dinamarquês Thomas Bartholin diz ter ficado impressionado com o tamanho e a espessura dos pelos de Barbara. Bartholin diz também ter examinado os genitais da mulher para perceber se se assemelhavam a um macaco.
Não se sabe ao certo a data da sua morte, mas o último registo da sua existência data de 1668.
A família da Birmânia
Quatro gerações peludas
Primeiro caso reportado em 1826 em Birmânia
Este caso ilustra bem a possibilidade de esta mutação genética ser hereditária. A ‘família peluda de Birmânia’, como é conhecida, começou a dar nas vistas em 1826.
Foi nesse ano que um homem chamado John Crawford foi enviado pelo governador da Índia àquele território (hoje conhecido como Myanmar). Quando lá chegou, deu de caras com um homem coberto de pelos da cabeça aos pés. Devido à sua aparência, Shwe-Maong trabalhava como entertainer. Tinha quatro filhos, mas apenas uma, chamada Maphoon, tinha o mesmo problema que o pai.
Na sua segunda viagem a Burma, Crawford encontrou Maphoon com cerca de 30 anos de idade, casada e com dois filhos – um deles, chamado Maong-Phoset, tinha o mesmo problema que a mãe. Phoset já era pai de uma menina, que também tinha o corpo coberto de pelos.
Um dos pormenores interessantes descritos por Crawford é a ligação desta doença a outros problemas: segundo o seu testemunho, as pessoas desta família que sofriam de hipertricose também tinham problemas de dentes, enquanto os restantes membros não apresentavam quaisquer sinais de doenças deste género.
Alice Elizabeth Doherty
A bebé de lã
N. 14 de março de 1887 Minneapolis, MInnesota, EUA M. 13 de junho de 1933 (46 anos) Dallas, Texas, EUA
Alice tinha uma família normal. Os seus pais, a sua irmã e o seu irmão formavam uma família típica norte-americana. Só ela destoava do grupo. ‘A bebé de lã do Minnesota’, como era conhecida, nasceu com a cara coberta de pelos loiros compridos.
A mãe de Alice viu nela uma oportunidade de negócio: a menina tinha apenas dois anos de idade quando começou a aparecer em feiras e atrações de freak show.
Por volta de 1900, quando teria perto de três anos, a família de Alice mudou-se para Dallas, no Texas, sítio onde acabaria por morrer. Por lá, ganhou uma nova alcunha – ‘A bebé milagrosa do Minnesota’. Isto porque, apesar do seu aspeto grotesco, Alice era muito inteligente e atraía tudo e todos com a sua simpatia. Jornais da altura escreviam que todas as pessoas que assistiam ao seu espetáculo saíam do circo com um sorriso nos lábios.
Alice ganhou tanto dinheiro com as suas performances que em 1915, aos 28 anos, pôde reformar-se e viver uma vida confortável. Sabe-se que morreu em 1933, aos 46 anos, mas não são conhecidas as causas da morte.
Supattra Sasupan
A recordista do Guinness
N. 2000 Banguecoque, Tailândia
E se antigamente era necessário recorrer a um pintor ou a um fotógrafo para preservar a memória destas pessoas, hoje basta recorrer à ferramenta mais prática: as redes sociais.
Supattra Sasupan, a jovem tailandesa que em 2011, com apenas 11 anos, foi considerada pelo livro de recordes do Guinness como a criança com mais pelos no mundo, recorria a estas plataformas para partilhar com os seus seguidores algumas fotografias suas. ’Natty’ como é conhecida, publicava imagens suas e do seu namorado e algumas fotografias suas em diferentes poses. A jovem decidiu apagar a sua conta, sem revelar qual o motivo.
“Não me sinto diferente de ninguém e tenho muitos amigos na escola. Ter muitos pelos faz de mim alguém especial”, disse aos jornalistas, na altura em que foi nomeada pelo Guinness. Mas a verdade é que ‘Natty’ nem sempre teve uma vida fácil. Na escola, alguns colegas costumavam gozar com o seu aspeto, tratando-a por ‘cara de macaco’ ou ‘Chewbacca’ (personagem da saga Star Wars que tem pelos em todo o corpo).
De acordo com a imprensa local, a jovem submeteu-se a tratamentos a laser para tentar travar o crescimento dos pelos, mas estes não resultaram. O seu pai disse aos jornais locais que a filha, agora com 19 anos, costuma fazer a depilação completa com regularidade, deixando assim a sua cara descoberta.