Diploma das barrigas de aluguer em risco de voltar a ser declarado inconstitucional

Diploma das barrigas de aluguer em risco de voltar a ser declarado inconstitucional


Novo diploma mantém a norma que os juízes do Palácio Ratton ‘chumbaram’ em 2018. Apreciação da lei pode vir a ser conhecida em vésperas da campanha eleitoral.


A lei sobre barrigas de aluguer arrisca a ser chumbada, novamente, pelo Tribunal Constitucional (TC). E esta é uma decisão que os juízes do Palácio Ratton podem vir a tomar, no limite, em vésperas do arranque oficial da campanha eleitoral.

Ontem, o Presidente da República decidiu, pela primeira vez desde que tomou posse, recorrer ao TC para pedir a fiscalização preventiva do diploma sobre procriação medicamente assistida.

Em nota publicada na página da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa explica que em causa está a revogabilidade do consentimento da gestante até ao nascimento da criança. Ou seja, a possibilidade de, até ao nascimento, a grávida poder decidir não entregar a criança aos candidatos a pais.

Em 2017, quando foram aprovadas alterações à lei da procriação medicamente assistida para permitir a maternidade de substituição, ficou definido que a grávida só poderia revogar o consentimento, obrigatório para iniciar o processo, até ao início dos tratamentos. Ora esta foi uma das normas ‘chumbadas’ pelo TC, o que levou a que esta mudança na lei ficasse sem efeito. Este ano, em julho, o Parlamento aprovou uma nova redação da lei, não alterando contudo a norma do consentimento.

Por isso, o chefe de Estado decidiu pedir agora ao “tribunal que apreciasse se a alteração aprovada pelo decreto da AR, mantendo o regime que tinha sido declarado inconstitucional, não desrespeita a declaração com força obrigatória geral, persistindo numa solução que, da perspetiva do tribunal, viola a Constituição”, lê-se na nota publicada na página da Presidência da República.

De acordo com o número 8 do artigo 278.º da Constituição, o TC “deve pronunciar-se num prazo de 25 dias” sobre o diploma. Ou seja, no limite, os juízes do Palácio Ratton têm até dia 19 ou 20 de setembro para se pronunciar sobre a legalidade do diploma. São dois ou três dias antes do arranque oficial da campanha eleitoral, que começa a 22 de setembro e termina a 4 de outubro.

 

Saga das barrigas de aluguer

As alterações à lei para permitir as barrigas de aluguer em casos de ausência de útero e outras situações clínicas que o justifiquem foram aprovadas pela primeira vez no Parlamento em maio de 2016. Já nessa altura Marcelo Rebelo de Sousa acabou por vetar o diploma, avisando que a lei teria de ser “melhorada” de forma a incluir uma norma que permitisse “a quem vai ter a responsabilidade de funcionar como maternidade de substituição, que possa repensar até ao momento do parto quanto ao seu consentimento”.

Mais tarde, em julho de 2016, um novo diploma foi aprovado com os votos a favor do PS, do BE, do PEV, do PAN a que se somam 20 deputados do PSD. O PCP e o CDS votaram contra e um grupo de deputados acabou por pedir ao TC a análise do diploma.

Mais de um ano depois, em abril de 2018, os juízes declararam a lei inconstitucional, entendendo que a grávida deve poder revogar o consentimento até à entrega da criança aos beneficiários finais. Para os conselheiros do TC “a negação deste direito é uma limitação ao exercício pleno do direito fundamental do desenvolvimento da personalidade”, lê-se no acórdão, em que consideram que a gestação é um processo “único, em que se cria uma relação entre a grávida e o feto (…) Daí poder questionar-se até que ponto é que um consentimento prestado ainda antes da gravidez (…) é verdadeiramente informado”.

Já este ano, no Parlamento, o Bloco de Esquerda chegou a propor uma avocação para que o diploma determinasse que, até à entrega da criança aos pais, a grávida poderia revogar o consentimento, seguindo as orientações do TC. A proposta acabou ser chumbada por PSD, CDS e PCP, seguindo para Belém sem qualquer alteração do ponto do consentimento. Desde o chumbo do TC, em abril de 2018, que os pedidos de maternidade de substituição voltaram à estaca zero. Na altura tinham sido apresentados ao Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida sete casos, mas só um tinha sido aprovado.