Os leitores que estão habituados à minha vertente mais crítica que me perdoem, pois a crónica desta semana, ao contrário do que é habitual, tem um caracter mais analítico e informativo do que crítico.
Ao selecionar o tema sobre o qual iria escrever esta semana, a minha primeira preocupação foi evitar escrever sobre os temas “quentes” do momento, pois, na minha opinião, não há mais paciência para notícias, comentários, ou artigos de opinião que versem sobre corrupção ou greve dos motoristas.
Considerando a proximidade do início do ano letivo, bem como a falta de informação (e desinformação) que, ainda, existe em torno da dedução à coleta no IRS das despesas com o arrendamento de imóveis para estudantes deslocados, bem como à pertinência do tema para muitas famílias, resolvi eleger este assunto para tema desta crónica.
Antes de mais, é importante referir que, para este efeito, se considera “estudante deslocado”, aquele que, cumulativamente, cumpra os seguintes requisitos: não tenha mais de 25 anos, frequente estabelecimento de ensino integrado no sistema nacional de educação ou reconhecido como tendo fins idênticos, que se situe a uma distância superior a 50 kms daquela que é a residência oficial do seu agregado familiar.
Neste ponto, importa esclarecer que:
Não obstante os estudantes deslocados serem, maioritariamente, alunos do ensino superior, este regime é aplicável a estudantes de outros graus de ensino;
Apesar deste enquadramento se aplicar, sobretudo, a jovens dependentes dos pais, padrastos ou tutores legais, isto é, que surgem no agregado familiar sob a figura fiscal de “dependentes” (principalmente devido ao limite de idade), na realidade, embora sejam situações menos usuais, este enquadramento, também, é aplicável a jovens estudantes que já ganharam autonomia e que entregam o seu IRS enquanto sujeitos passivos;
O regime é aplicável a estudantes do ensino privado, desde de que o estabelecimento de ensino esteja reconhecido pelo ministério competente;
O estudante deslocado deve manter a sua morada oficial (do cartão do cidadão) não a alterando para a “nova” morada.
Importa referir que, a partir do ano 2018, havendo despesas comprovadamente suportadas por aqueles estudantes correspondentes ao arrendamento de imóveis ou partes de imóveis para fins do seu alojamento, passou a dar origem a uma dedução à coleta de IRS integrada no âmbito das despesas de educação e formação.
Para se compreender melhor o impacto fiscal no IRS das famílias das despesas com arrendamento dos estudantes deslocados é necessário compreender que, em termos gerais, cada agregado familiar pode deduzir no IRS 30% dos gastos que comprovadamente tenha suportado durante o ano civil com as despesas de formação e educação, com possibilidade de vir a deduzir no IRS até € 800 anuais, todavia, caso existam no agregado estudantes deslocados nas condições referidas, aquele limite máximo aumenta para € 1.000 anuais, não podendo a dedução correspondente a 30% do valor da rendas exceder € 300 anuais.
Neste ponto, importa realçar que:
Esta dedução à coleta aplica-se tanto a despesas com arrendamento, como com subarrendamento (assim, sempre que, ao longo da crónica me referir ao arrendamento o leitor deve considerar que o mesmo é aplicável, também, ao subarrendamento);
Este regime é aplicável quer ao arrendamento de um imóvel, quer a parte de um imóvel – é, assim, aplicável, por exemplo, ao arrendamento de quartos;
O valor a deduzir ao IRS com a renda são 30% do valor comprovadamente despendido com aquele encargo e não o valor efetivamente gasto;
Para deduzir o valor máximo de € 300 anuais, é necessário que, cumulativamente: os encargos anuais comprovadamente suportados com rendas totalizem valor maior ou igual a € 1.000 (1.000 x 30% = 300) e não ter resultado dos restantes encargos com educação e formação dedução superior a € 700 anuais.
Note-se que, para que as despesas com as rendas de estudante deslocado sejam dedutíveis ao IRS do agregado familiar é essencial existir um contrato de arrendamento/subarrendamento do imóvel ou de parte dele, no qual outorga como inquilino o estudante. É, ainda, imprescindível que o senhorio registe o contrato no Portal das Finanças e o inquilino (estudante) registe o seu enquadramento especial de estudante deslocado, para tal é necessária a intervenção de ambos, senhorio e estudante (por esta ordem):
Primeiro, o senhorio regista, no «Portal das Finanças è e-arrendamento», o contrato de arrendamento/subarrendamento de imóvel ou parte de imóvel;
Segundo, depois do contrato ter sido registado pelo senhorio, o estudante deve aceder à sua área no «Portal das Finanças è e-arrendamento» e no menu da esquerda escolher a opção «Registar Estudante Deslocado», seguidamente, selecionar o contrato a afetar ao estudante deslocado e escolher, de seguida, a opção «registar»;
Os recibos de arrendamento emitidos pelo senhorio passarão a conter a seguinte indicação: "O arrendamento/subarrendamento destina-se a estudante deslocado", a qual é imprescindível para ser possível usufruir da dedução para efeitos de IRS.
Para finalizar, não poderia deixar de terminar com uma breve nota crítica em relação à forma como esta dedução à coleta foi “desenhada”.
Em primeiro lugar, não posso deixar de realçar que esta dedução se aplica por agregado familiar e não por estudante deslocado, isto é, o valor máximo dedutível matem-se em € 300 anuais, independentemente do número de estudantes deslocados num agregado familiar, o que, em muitos casos, torna o valor deduzido no IRS ridiculamente reduzido comparativamente com o valor efetivamente despendido pelo agregado familiar com o alojamento dos estudantes.
Em segundo lugar, para a maioria dos alunos deslocados as despesas com o alojamento representam a maior fatia dos seus gastos com educação e formação dedutíveis em IRS, consequentemente não faz sentido que a dedução no IRS tenha sido concebida de forma inversa, isto é a prever um menor valor dedutível para as despesas com alojamento do que com os restantes encargos de formação e educação. Ora vejamos, o valor máximo de dedução possível de atingir no IRS com despesas e educação e formação são € 1.000 anuais, que se repartem da seguinte forma: € 300 anuais para a dedução respeitante aos encargos com alojamento e € 700 anuais para a dedução à coleta referente aos restantes encargos, nomeadamente propinas (Recordo que para o próximo ano letivo o valor máximo das propinas do ensino superior público descerá para 871,52€ para os CTESP, Licenciaturas e Mestrados Integrados), livros e restantes encargos dedutíveis em IRS.
Por último, referir que a introdução desta dedução à coleta no IRS, na minha opinião, teve como principal objetivo o combate ao arrendamento não declarado, muito comum no meio estudantil; é, todavia, no meu ponto de vista, fraca medida, pois pelo seu reduzido impacto no IRS das famílias versus os valores despendidos anualmente pelos agregados familiares em rendas para o alojamento dos estudantes deslocados, pode propiciar, assim, a continuidade do conluio entre inquilino e senhorio na não declaração dos contratos de arrendamento.
por Ana Borrego