O Socialistão


A CNE foi incapaz de dizer uma palavra sobre a maior ação de propaganda de que há memória na vida democrática. A transformação de Portugal num Socialistão também passa muito pela fraqueza dos órgãos reguladores.


Os portugueses suspiram de alívio e atestam o depósito. Terminou a greve. Por agora. O desfecho não foi muito diferente daquilo que a semana passada aqui projetei.

Vejamos, neste balanço intercalar, como as diferentes forças políticas lidaram com o assunto e como, com isso, ganharam ou perderam embalagem para as legislativas.

1. Comecemos pelo Governo.

Com os efeitos do braço-de-ferro com os motoristas a começarem a sentir-se no dia-a-dia dos portugueses, o Executivo foi lesto a colocar pressão sobre os patrões para chegarem a acordo com os sindicatos. Porque o elefante não se come inteiro, a estratégia inteligente do ministro Pedro Nuno Santos passou por fatiar os problemas e conseguir acordos parciais. Cada negócio fechado com uma das partes tirava legitimidade às reivindicações das restantes, até que estas acabavam – como acabou Pardal Henriques – por cair numa situação de fraqueza (primeiro) e isolamento (depois).

Pedro Nuno Santos emerge desta crise como um dos rostos ganhadores. Reforça o seu peso político dentro e fora do Governo, legitimando as pretensões que lhe são amplamente reconhecidas. Santos é, por isso, cada vez menos apelido de político e cada vez mais qualidade canónica de ministro. Não sei se os socialistas acreditam em milagres. Mas que São Pedro Nuno os faz, lá isso faz. O ministro das Infraestruturas é o verdadeiro canivete suíço deste governo. É o faz-tudo. Durante três anos e meio pegou na batuta e vestiu o fato de maestro das esquerdas. E nos últimos seis meses de Governo, quando formalmente subiu na hierarquia do Executivo, para além de ter de resolver as trapalhadas e gerir a incompetência de Pedro Marques, ainda lhe caíram no colo as greves politicamente inflamáveis. Emerge deste processo como um ganhador e com peso político reforçado.

Em 2019, as pernas dos banqueiros alemães já não tremem. Mas deve haver muito boa gente no PS (e no Governo) a fazer contas à vida com a ascensão meteórica de Pedro Nuno Santos.

Por demérito da oposição, António Costa também é, obviamente, um ganhador. Em terra de cegos, quem tem um olho é rei. Creio, porém, que os ganhos do PM são da mesma natureza da sua consistência política. Ou seja, bastante gasosos. Esses ganhos, julgo eu, vão evaporar-se no curto prazo.

Pergunto eu, humildemente: como é que o PM, que é, na visão geralmente partilhada por historiadores, homens de ciência e opinião publicada, o criador da maior obra-prima da democracia portuguesa – o matrimónio das esquerdas –, vai lidar com uma greve dos médicos? Ou com as habituais reivindicações do prof. Mário Nogueira?

Colocaremos militares no lugar dos setores e setoras na escola pública?

Com o SNS transformado num cenário de guerra pelo Governo socialista, trocaremos as batas brancas por uniformes de cada vez que os médicos fizerem greve?

É que, sinceramente, não vejo que o interesse nacional esteja mais em causa com uma greve de motoristas do que com uma greve de médicos ou professores. Com o precedente da requisição militar usada no primeiro, na cabeça do PM nada deve obstar a que se volte a ele no caso dos segundos.

Resumindo: Costa foi esperto e hábil, como é sempre, mas empurrou mais um problema com a barriga. Não vejo, no futuro, como é que isso venha a ser uma jogada inteligente e digna daquele a quem muitos tratam como “o príncipe” da política portuguesa.

Pior ainda para o lado de Costa se esta trégua for apenas um período interguerras. Se uma nova greve voltar à agenda dos noticiários, o Governo vai passar um mau bocado.

Mas aí, com o aproximar das eleições, o PS fará aquilo que, historicamente, sempre fez: apagar a fogueira com o dinheiro dos portugueses para não chamuscar os seus votos.

2. Vamos à oposição. Mesmo em férias, Rui Rio percebeu que a política exige serviços mínimos. O líder voltou para assegurá-los. E ainda bem.

Catarina Martins e o seu Bloco, obcecados com a hipótese de partilharem o Governo com Costa, venderam a alma ao PS e nem os serviços mínimos cumpriram. Eles não perceberam duas coisas essenciais: (1) que por não terem estado onde deviam ter estado, Costa e o PS ficaram um degrau mais próximos da maioria absoluta, cenário em que o BE se torna politicamente irrelevante; (2) que por terem falhado onde não podiam falhar, daqui em diante, qualquer palavra do BE sobre greves ou direitos de trabalhadores vale tanto como a cruzada de Robles contra a especulação imobiliária. Ou seja, nada.

Para Jerónimo de Sousa, uma palavra apenas: desnorte. O PCP vai ser uma animação depois de 6 de outubro.

3. Palavra final para a Comissão Nacional de Eleições. Sempre tão célere a perseguir autarcas, a CNE foi incapaz de sequer dizer uma palavra sobre a maior ação de propaganda de que há memória na vida democrática. Não houve dia em que as TV não estivessem com os cabeças-de-lista do PS. A transformação de Portugal num Socialistão também passa muito pela fraqueza dos órgãos reguladores.

P. S. ao líder do meu partido. Depois de ter respondido à comunicação social sobre o artigo da semana passada em que escrevi que Rui Rio há muito não cumpria os serviços mínimos, quero reafirmar que os meus alertas nestes textos são de um social-democrata com liberdade de pensamento. Eles não se prendem com o que Rio afirmou sobre pequenas ambições de candidaturas a presidente de concelhia ou distrital. Também não tenho e nunca tive – e não foi por falta de oportunidades e convites no passado – como objetivo ser deputado. Estou e estarei presidente de câmara enquanto os cascalenses e os meus companheiros me confiarem essa missão. É essa a única que me realiza como homem político e como social-democrata.

 

Escreve à quarta-feira