Crónicas de uma greve anunciada


Abram alas a António Costa, em velocidade de cruzeiro para uma vitória esmagadora em outubro.O poder absoluto da maioria socialista contrasta com a absoluta inoperância da oposição.


Não tenho poderes de adivinhação, mas intuo como irá acabar a greve. Escrevam o que vos digo. Com os sindicatos encostados à parede – depois de uma entrada de leão, uma saída de Pardal –, não falta muito para António Costa começar a pressionar publicamente a Antram para se sentar à mesa e conseguir um acordo.

Costa não precisa que a situação se degrade ao ponto em que o dedo acusatório dos portugueses procure o Governo; Centeno vê com bons olhos os milhões extra que hoje moram nos rendimentos não declarados pelos motoristas; a oposição, a custo, lá vai interrompendo as férias para ir ao Twitter elogiar o Governo; a Antram faz o frete ao PS; os motoristas, no fim do dia, vêm algumas das suas reivindicações satisfeitas e saem do processo numa posição melhor do que aquela em que entraram.

Ou me engano muito ou é assim que a situação vai evoluir nos próximos dias.

Abram alas a António Costa, em velocidade de cruzeiro para uma vitória esmagadora em outubro.

O poder absoluto da maioria socialista contrasta com a absoluta inoperância da oposição.

Há dias que o Governo autoproclamado mais puro e casto desde o 25 de Abril anda a ameaçar o direito à greve. Há semanas que o Governo autointitulado como o mais benigno da democracia anda a preparar uma gigantesca operação de propaganda.

Há anos que o Executivo supostamente mais amigo dos portugueses anda a prometer tudo a todos e é, por isso, responsável por um clima em que todos acham que podem legitimamente ter tudo.

Perante tais sinais, o que fazem os partidos da oposição? Como fidalgos à espera das migalhas da mesa do rei, baixam a cabeça. Compreendo: os méritos da monarquia socialista não devem ser contrariados.

Olhando para a corte do Governo PS, o que vemos?

O PSD: está há muito em greve de combate político. Claramente, não está a cumprir os serviços mínimos. Temo que a situação já só se componha com uma requisição civil convocada pelos militantes.

A incompetência já nem sequer é disfarçada pelos atuais dirigentes. Quando David Justino usa o Twitter para teorizar sobre como “Costa transforma uma ameaça em oportunidade”, não está só a dizer que o PSD foi politicamente inapto a fazer oposição como ainda levou uma lição sobre como transformar essa “ameaça em oportunidade.” Se há mérito na política, com as explicações do prof. Justino, os portugueses saberão bem em quem votar em outubro.

O CDS: o partido que andava em consumo acelerado esvaziou claramente o depósito. Encostou à beira da estrada. Ficou a meio caminho de um lugar qualquer que não se sabe bem qual. A pressão dos últimos tempos – liderar o centro-direita – foi muita areia para o camião da direção, que está desmaiada com uma anemia galopante.

O PCP: está como o SNS – em estado de coma. A incapacidade de responder ao maior ataque ao direito à greve a que o país assistiu nas últimas décadas mostra bem que a liderança de Jerónimo de Sousa tão cedo não vai sair dos cuidados intensivos. Estamos todos à espera que o partido de Jerónimo proponha à AR uma votação que reconheça o “autoritarismo de António Costa” no mesmo tom esganiçado que utilizou para ajustar contas com o Governo de Cavaco Silva.

O BE: é o BE. Padece do cinismo e incongruência de sempre. Os eleitores do Bloco tiveram de esperar até dia 9 de agosto para conhecer a posição contorcionista de Catarina Martins sobre o assunto. É o partido com a espinha mais torcida da política portuguesa. E está tudo dito. Mais parecem artistas de circo.

Esta extrema-esquerda mansa é a conquista mais sensacional de António Costa ao longo destes quatro anos. Dirão os politólogos que isto é uma evidente contradição nos termos. E é verdade. Mas os últimos quatro anos foram, eles mesmos, o que cientificamente se poderá chamar a teoria geral do Governo do absurdo.

Virámos a página da austeridade… com a maior carga fiscal de sempre.

A frente de esquerda rasga as vestes contra a ditadura dos défices… mas vai muito além da troika nas contas certas.

A defesa intransigente do Estado social… faz-se com o investimento público mais baixo de sempre.

E os direitos dos trabalhadores… defendem-se com o discurso da “autoridade da direita” e recurso a requisições militares e civis.

O absurdo continuou por estes dias.

A greve foi um fracasso… mas exige uma requisição civil.

O Governo pede aos portugueses que reduzam ao essencial as suas deslocações de automóvel… mas os ministros passeiam-se de norte a sul (com câmaras de TV atrás) para se mostrarem em cima do acontecimento.

O motorista que é sindicalista também quer ser cabeça-de-lista.

E Costa garante que o “interesse nacional nunca tira férias”… mas isso é mais verdade em 2019 do que em 2017, quando o país assistia de queixo caído ao roubo do século em Tancos com o líder a banhos numas ilhas espanholas.

Enquanto o país anda entretido a atestar o depósito, há grávidas que saltam de urgência em urgência, ambulâncias paradas, médicos pelos cabelos e um Governo que já nos prometeu mais um aumentozinho de impostos por via do corte nas deduções de saúde de 15% para 5%.

Não sei se é febre eleitoral, mas Portugal é, hoje, um lugar muito estranho. E só encontro uma explicação para tantas excentricidades políticas num só lugar: de tanto passarem a vida a enganar os portugueses, as esquerdas sofrem de um grave distúrbio de personalidade. Embora continuem a ser o que sempre foram, já não são o que julgam ser.

Escreve à quarta-feira