No contexto europeu ou mundial, Portugal é uma nação fantástica. Tem identidade, património e uma invulgar concentração de potencial de qualidade de vida. Falta-lhe compromisso comunitário, organização e sentido sustentado de senso. É por isso que tergiversa amiúde entre o oito e o oitenta, entre viver o momento ou antecipar as tendências e dinâmicas do futuro, num exercício político que se transforma numa tolerada irresponsabilidade comunitária.
O Estado não garante de forma sustentada, qualificada e em todo o território nacional o acima do básico, mas assume crescentes responsabilidades para fazer mais e enjeita as colaborações alheias, que passam de complemento decisivo para evitar as ruturas das suas insuficiências a despedimentos por justa causa. Não é só na saúde, é em quase tudo, da educação à plataforma continental.
Os portugueses, para além de precisarem de estar no centro da organização e das respostas dos serviços públicos, precisam de um compromisso para que se cumpram mínimos sem falhas, para depois se poder ousar ampliar a extensão das respostas e oportunidades que estão ao seu dispor individual e como partes integrantes de uma comunidade.
Não podem estar sujeitos a impulsos desgovernados que variam em função das orientações partidárias ou políticas dos Governos, das maiorias ou de uma qualquer liderança. Não pode nuns anos haver uma fiscalização de atividades económicas a precisar de açaime e, nos seguintes, um laxismo por falta de recursos. Não pode a gestão corrente estar sujeita a constrangimentos que colocam em causa o normal funcionamento dos serviços públicos, como o atestam as notícias, descontadas as movimentações de cariz pré-eleitoral.
Aliás, o mínimo denominador comum da comparação com a governação PSD/CDS inspirada, com aditivo, pelo programa de ajustamento económico e social da troika, ou a invocação de passivos acumulados para fundar inação no início da resolução de problemas estruturais, só pode sublinhar uma mentalidade comprometida com a construção de um Portugal menos mau. É uma contradição total com a ambição das metas ambientais, as Web Summits e outros exercícios de alegada modernidade. E o enunciado de objetivos ou impulsos para afagar o ego dos problemas presentes posiciona-se no limiar da falta de respeito, após quatro anos de Governo, em que, em muitas situações, os bloqueios e os problemas foram negados.
Esta vertigem, como tantas outras perturbações de final de legislatura, têm como objetivo mais a configuração do ambiente eleitoral do que as pessoas e os territórios. É vê-los desalmados a tentar esgrimir uma antecipação de agenda, um anúncio antes dos outros ou um certificado de utilidade pública na destruição do voto útil. É vê-los desesperados a tentar erradicar da campanha eleitoral temas indesejados, como fez António Costa ao assegurar, quiçá sem fazer figas, que nunca desconfiou de nada em relação àquele que mais o ajudou a conquistar o poder no PS e no país, José Sócrates. Não soubéssemos nós o nível de articulação direta e indireta na concretização das estratégias partidárias e políticas e até acreditávamos. Nele e no Pai Natal.
O problema das oscilações entre a euforia, a acalmia, a depressão e os exercícios impossíveis é que os portugueses correm o risco de ir a eleições, uma vez mais, escolher o mal menor, ou escolher por baixo para o Portugal menos mau, em vez de ter senso, sustentabilidade ou ideias estruturadas para o país. Como diria alguém, o panorama geral é muito poucochinho. Protagonistas políticos de mínimos, sem noção do país como um todo e sem uma visão de compromisso entre os interesses em presença, só podem gerar resultados de um Portugal menos mau, o das contas certas com rabo deixado de fora. Enfim.
NOTAS FINAIS
ABATIMENTOS // Segundo as projeções do Eurostat, a população em Portugal vai baixar de 10,3 milhões em 2019 para 6,6 milhões em 2100. Continuar a não levar a sério a tormenta demográfica que se vai expressando, com consequência no universo de cidadãos ativos e de crescentes necessidades de cuidados relacionados com o envelhecimento da população, é continuar a ter uma nação a esvair-se de gente.
DESFASAMENTOS // A reposição de areia nas praias da Costa da Caparica durante o mês de agosto, por atraso do visto do Tribunal de Contas, é mais um de muitos exemplos de incapacidade da compatibilizar as burocracias das gestão pública com as dinâmicas reais das pessoas e dos territórios. Da mesma forma que o modelo de compartimentação administrativa do território não bate certo com as dinâmicas das pessoas e da sociedade, o tempo de decisão e de execução contínua com o passo completamente trocado. E os decisores políticos, muitas das vezes, não ajudam ao retardarem processos previsíveis.
DESCARRILAMENTOS // O poder pode ser um fim em si mesmo, como o comprovam vários exemplos de sobrevivência e habilidade política. A debandada de protagonistas, mais ou menos desalinhada com opções de liderança, sublinha a incapacidade para lidar com a diferença e para a integrar como parte da riqueza dos projetos político-partidários. É contrária à democracia e ao acervo patrimonial dessas instituições.
ÓRBITAS // As pseudoelites da capital, tal como as redes sociais, pelam-se por uma polémica. Um despropositado exercício de liberdade de opinião sobre uma proposta de quotas para negros e ciganos gerou um tumulto generalizado no meio. Vislumbraram-se sólidos pensamentos sobre as questões do racismo, da exclusão e da falta de oportunidades, só faltou mesmo que os arautos com a verve do bitaite tivessem aposto à sustentação do raciocínio as folhas em branco dos seus contributos concretos para combater as situações que possam existir na sociedade portuguesa. Não faltariam resmas…
Escreve à segunda-feira