É muito simples de enunciar, embora difícil de fazer: ensina o que Vasco Graça Moura tão bem sintetizou logo no título do livro a que chamou “Camões e a Divina Proporção”, recuperando, entre o mais, as ideias, de raiz algébrica, caras à Grécia Antiga ou ao Renascimento, por exemplo, de proporção áurea ou número de oiro. Simplificando, ensina a harmonia, a exatidão, a proporção, a tentativa de ponto de equilíbrio, superando o defeito mas também evitando o excesso.
Ora, é isto mesmo que qualquer enunciado normativo, seja de que cariz for, e começando pelo legal, passando pelo regulamentar e acabando naquele que emana das próprias instituições, deve buscar como ideia reitora e horizonte último e ótimo: nem de mais, nem de menos. Como disse, isto é simples de dizer, mas mais difícil de fazer, e aí está todo o desafio. Desde logo, para o legislador, sobretudo para o nosso, se olharmos aos últimos anos, mas também para quem regulamenta e igualmente para quem (preocupação e necessidade crescentes) se autodisciplina.
Se for de menos, significa que houve falha a montante, porque não se avaliou devidamente o risco e o que havia que legislar, regular e disciplinar, ou avaliou mas não se trabalhou com tempo, cuidado e afinco (e aconselhamento de quem sabe, se for caso disso, e é amiúde), mas também há falha a jusante, porque falta orientação suficiente, e sem bom guidance não pode haver bom compliance, já se sabe. Embora o primeiro não seja condição suficiente do segundo, é pelo menos condição necessária, isso é certo. Ora, há que buscar não macular a divina proporção por defeito.
Mas igualmente, e talvez até mais (embora possa parecer paradoxal a afirmação), há que não a estragar por excesso, o que aparece como uma tentação e/ou um costume muito atuais. Legislar ou autorregulamentar em excesso, em demasia, criando enunciados infindáveis, complexos ou emaranhados de normas e procedimentos, normalmente “dá buraco” – um buraco em que caem os órgãos de soberania, as sociedades, as instituições, as empresas e as pessoas, sem saber como erguer a cabeça e ver para lá da complexidade, da confusão e do peso do quadro normativo. Donde, também falha a orientação, e mesmo a montante pode ter fraquejado também o trabalho, seja o de avaliar bem o que era preciso (e “despejando” normas em cima da falta de apuro na avaliação), seja o de costurar com aprumo em face do que se mediu antes. E a isto somam-se dois outros grandes problemas, ambos fatais. Um, excesso de norma, para além de desorientação, confusão e contradição, pode dar “anomia normativa”, ou seja, a sensação de que, afinal, onde tudo é proibido, tudo é permitido. Outro, excesso de complexidade (com a inoperacionalidade associada), que pode levar à tentação ou mesmo à necessidade do jeitinho, e aí começa normalmente o caminho da desgraça, que é precisamente o que, afinal, se queria evitar. Donde, atentemos em Camões, uma e outra vez.
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