Assédio no Prédio Coutinho


Com que fundamento se cortaram serviços públicos e se impediram pessoas, algumas idosas, de saírem das suas casas e de terem acesso normal a alimentos e aos seus advogados?


O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga aceitou uma providência cautelar dos moradores que travou a ação de despejo do Prédio Coutinho, em Viana do Castelo, e levou a que fossem repostos luz, gás e água. Contra as declarações taxativas da câmara e do Governo, afinal, ainda alguma razão assistirá aos últimos moradores do prédio.

A VianaPolis já anunciou que vai pedir a revogação do despacho, contestando esta nova decisão do tribunal que ainda há meses lhe deu razão, mas os factos dos últimos dias são estes. Com que fundamento se cortaram serviços públicos e se impediram pessoas, algumas idosas, de saírem das suas casas e de terem acesso normal a alimentos e aos seus advogados?

O advogado e professor universitário Luís Menezes Leitão lembrou ontem, num artigo publicado no i, que, ainda em fevereiro, o Parlamento aprovou a lei 12/2019, que proíbe e pune o assédio no arrendamento, depois de virem a público casos de pressões para forçar moradores a abandonar em zonas interessantes para o mercado imobiliário. Cortes de luz, barulho, tudo o que foi denunciado em Viana.

Não estando em causa as razões do Estado para querer resolver a expropriação do edifício, esta forma de atuação é legítima? A deputada Helena Roseta admitiu que o processo foi mal conduzido e que a futura Lei de Bases da Habitação, em discussão no Parlamento, vai dificultar este tipo de procedimentos, determinando que o despejo administrativo, quando é decidido por uma Câmara ou uma entidade pública, não possa ser feito sem dar uma alternativa condigna de alojamento às pessoas, a menos que tenha sido uma ocupação ilegal.

“As entidades públicas não podem promover o despejo forçado ou a demolição de habitações precárias de indivíduos ou agregados familiares vulneráveis sem garantir previamente soluções alternativas de alojamento”, lê-se na proposta de lei do PS, que refere também que cabe aos municípios “combater a segregação espacial e social e todas as formas de discriminação no acesso à habitação, nomeadamente o assédio imobiliário, entendido como toda a ação ou omissão, praticada com abuso de direito, que vise perturbar o uso legítimo da habitação pelos que nela residem ou forçá-los a abandoná-la sem fundamento legal”. Um ponto que este recente caso, no mínimo, poderia reabrir.