“Tecnicamente não é possível fechar uma urgência de um hospital nem uma maternidade. Se fechasse, as pessoas na maternidade teriam de ser enviadas para outro hospital, nada disso está em cima da mesa”Ainda não está fechado o plano para o funcionamento das urgências das quatro maiores maternidades da grande Lisboa – Santa Maria, Maternidade Alfredo da Costa, São Francisco Xavier e Amadora Sintra – durante o verão. A dias de julho, a bola passou para os ministérios da Saúde e Finanças: a Ordem dos Médicos propôs à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo um regime de exceção que permita pagar mais aos médicos dos hospitais para fazerem turnos suplementares nas urgências, equiparando os pagamentos ao valor que é pago aos “tarefeiros” que são contratados externamente para tapar buracos nas escalas.
A Ordem defende que esse valor seja ainda aumentado para concorrer com os privados e com os hospitais geridos em parceria público privada, que chegam a oferecer 45 a 50 euros à hora, quando no Estado o limite na lei são 29 euros.
Ontem, numa reunião de chefes de serviço que decorreu na Ordem, os médicos foram taxativos na recusa de que um fecho à vez das admissões nas urgências resolva o problema da falta de médicos no verão. “O fecho rotativo não é possível porque as maternidades já estão em sobrecarga durante os períodos normais do ano e têm de manter a atividade assistencial”, disse Alexandre Valentim Lourenço, presidente do conselho regional sul da Ordem dos Médicos. “Não posso fechar a urgência de Santa Maria porque tenho de garantir os partos que lá estão, os partos de risco que nos são enviados e as grávidas que lá chegam pelo seu pé e não posso sobrecarregar a Alfredo da Costa ou outra maternidade com os partos que deixei de ver.”
As equipas estão desfalcadas ao ponto de, mesmo num cenário de fecho de admissões externas, não conseguirem uma capacidade plena. Valentim Lourenço exemplificou que só no Santa Maria as escalas das urgências de obstetrícia estão incompletas durante 17 dias do mês de agosto. Fonte hospitalar confirmou ao i que o cenário não fica resolvido com a proposta de fecho rotativo. Nas equipas por fechar para o mês de agosto, que incluem cinco médicos (dois especialistas e três internos) estão a faltar, em média, dois elementos. A proposta em cima da mesa é que a urgência esteja encerrada a admissões externas durante sete dias do mês, mas ficam na mesma a faltar médicos para assegurar as escalas de dez dias, o que deixa como única hipótese de abrir inscrições para urgências suplementares – esperando que os médicos se inscrevam para tal – ou recorrer a tarefeiros que possam estar disponíveis. E o problema de escalas incompletas repete-se em setembro e outubro, altura em que está previsto que três médicas iniciem licença de maternidade. Já na MAC, noticiou ontem o “Público”, o problema não são tanto os obstetras mas os anestesiologistas: só estão asseguradas escalas para cinco dias de agosto.
No final da reunião com o bastonário dos médicos, o presidente da Administração Regional de Saúde, Luís Pisco, indicou que a proposta de ser revisto o pagamento aos médicos seria apresentada à tutela, reiterando que não está em causa o fecho de nenhuma maternidade ou mesmo das urgências, mas perceber se é possível organizar os encaminhamentos pelo INEM. Luís Pisco não se comprometeu como uma data para o plano estar fechado, mantendo que os cenários continuam em “aberto”.
Hospitais fazem concorrência uns aos outros Uma das constatações da reunião que juntou 50 chefes de serviços foi que não é só o privado que faz concorrência aos hospitais públicos no recrutamento de médicos para assegurar urgências. “Os chefes de serviço queixam-se de que os médicos saem do hospital para ir para o hospital da frente fazer horas extra e os médicos dos outros hospitais vêm para os seus. A lei tem de ser mudada”, apelou Alexandre Valentim Lourenço, indicando que na base destas movimentações, que geram instabilidade nos serviços, está o “desequilíbrio” nas remunerações. Os médicos “da casa” chegam a receber 10 euros à hora para assegurar urgências extraordinárias. Quando se trata de contratações externas, os hospitais podem pagar mais do dobro. É nesse sentido que a ordem propõe uma equiparação de valores. “Propomos que os médicos possam fazer um segundo banco na mesma semana, mas não podemos aceitar que um chefe de serviço ganhe 14 euros à hora e apareça um médico de fora a ganhar 50 euros.”
Ao final do dia foram publicadas as listas dos candidatos admitidos no último concurso para contratação de recém-especialistas no SNS. Nestes quatro hospitais de Lisboa deverão começar a trabalhar em julho 26 médicos, dos quais cinco especialistas em obstetrícia e ginecologia, 10 pediatras e 11 anestesiologistas, que não visam reforçar apenas a maternidades. As entradas já estavam previstas e não vêm mudar um cenário que a ordem dos médicos descreveu como “caótico”, pedindo que, além de uma solução para este verão, seja repensada a contratação de médicos para o futuro. Por exemplo no Santa Maria só está prevista a entrada nos quadros de um médico. E os novos especialistas, até aqui internos, já estavam também incluídos nas escalas.
No final do encontro, o bastonário dos Médicos admitiu que, caso o fecho rotativo não seja evitado, a Ordem vai emitir declarações de exclusão de responsabilidade aos médicos por eventuais falhas que se verifiquem. “Se as pessoas estiverem a trabalhar sem as condições adequadas, os responsáveis políticos têm de ser responsabilizados. Não podem ser sempre os médicos os maus da fita e os bodes expiatórios”, disse Miguel Guimarães.