Tem-se escrito muito pouco sobre o amor, o sentimento mais nobre e completo de todos, a raiz de todos os sentimentos bons e até a razão de ser dos maus sentimentos que despertam em nós. Vejo o amor como o tronco de uma árvore, forte, robusto e maciço, que com as suas raízes se dissemina por debaixo da terra à procura de água límpida para que a folhagem da sua copa seja frondosa e dê frutos.
Os grandes poetas perderam-se a escrever sobre o amor, pelo viciante que é, encantados com a sua versatilidade e perfeição. Pessoa era um amargurado, dependente do amor, Camões era um lírico, apaixonado, e Florbela sofria pelo amor que a consumia.
Também nós sofremos por amor e vertemos lágrimas pela dor que sentimos quando nos perdemos de amor por alguém. Choramos de alegria quando um filho nasce, pelo amor que sentimos a germinar no nosso peito, tal e qual a raiz daquela árvore, e compreendemos que não iremos controlar essa ofensiva de que somos vítimas. Quantas vezes esse amor pelos filhos nos traz sofrimento que incrusta no rosto os vincos da dor; o mesmo que nos arranca suspiros de ternura quando já não cabe no peito e nos obriga a respirar fundo, como se soprássemos um pouquinho desse amor em direção ao filho amado. E ficamos à espera que esse sopro chegue até ao destino e lhe acaricie ao de leve a pele. Dizem que este é o maior amor de todos… ou um amor maior.
O amor é muito mais do que uma palavra, apesar de não dispensar que seja cantado, entoado ou murmurado à pessoa que amamos. Faz falta verbalizar palavras de amor, expor este sentimento tão sublime à vista de todos, numa tentativa de contagiar aqueles que já se esqueceram a que sabe o amor. O amor tem sabor. Pode saber a morangos que a avó semeou no seu jardim, regou e depois apanhou para os netos; ou a um bolo de chocolate que a mãe vai para a cozinha fazer, quando chega a casa, cansada, para o filho que está triste porque o amigo não quis jogar à bola com ele; ou até a comida japonesa de que o marido se esforça por gostar só para acompanhar a mulher nas incursões gastronómicas que tanto lhe dão prazer.
Amor é… quando se vai ao futebol, em vez de ficar em casa a ler um livro ou de ir ao ginásio, e vibrar como se fosse a adepta número um daquele clube. Não basta ir, tem de se ter prazer em ir e partilhar aquele momento e gosto como se fosse nosso também. Amor é dar banho à mãe como se fosse a nossa filha, e termos uma vontade incontida de a beijarmos na testa para que, quando tudo se for, fique a memória do nosso amor, que procuramos nos seus olhos sempre que parece longe. E é com amor e com gestos de amor que vai regressando do seu mundo, de volta para nós, que a esperamos de braços abertos, estonteados com a dor que esta partida anunciada nos inflige.
Tenho para mim um pensamento triste sobre os que não têm capacidade de sentir esta emoção. Porque os há. Há muitas pessoas que ainda não descobriram o que é amar, outras que ainda não foram amadas e ainda as que nunca conhecerão as virtudes do amor e serão umas ignorantes presunçosas, julgando que não há nada para saber sobre amar. Lamento estes últimos pela sua pobreza enquanto homens e mulheres que só irão reconhecer o amor-próprio e que tudo fazem para não circularem por outros meandros que possam pô- -los em perigo. Já disse que amor também podia ser dor… E a dor a todos nos calha; já o amor, só aos que descobrem em si a generosidade dos afetos e se permitem entregar-se ao próximo.
Devíamos escrever mais sobre os amores desta vida e até mesmo sobre os desamores, com o encanto e orgulho de quem vivenciou tal prazer e conhecimento. Rendemo-nos à indiferença com a cumplicidade de todos nós, talvez porque simplesmente estejamos esquecidos dos sabores, dos aromas, dos gestos e dos olhares que o amor nos traz.
Repeti vezes sem conta a palavra amor neste texto, conscientemente, porque não quero esquecer-me de que existe, para lá de todas as outras. Não quero pertencer à classe dos indiferentes e de afetos higiénicos. Cuidar é amar, entregarmo-nos é amar, proteger é amar, beijar é amar, contemplar é amar, não desistir e acreditar é amar. Este é o meu elogio ao amor.
Escreve quinzenalmente