O Parlamento vota esta sexta-feira aquela que poderá ser a primeira grande alteração na aplicação de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde desde a criação destes pagamentos, em 1992. A proposta do Bloco de Esquerda, que surgiu no âmbito da revisão da Lei de Bases da Saúde e acabou por ser autonomizada, prevê que as consultas nos centros de saúde, hoje sujeitas a uma taxa moderadora de 4,50 euros, passem a ser gratuitas mesmo para quem não é isento.
O partido propõe ainda a dispensa de taxas moderadoras em consultas, atos complementares prescritos e outras prestações de saúde desde que o pedido tenha sido feito numa consulta no SNS. “Se queremos que as taxas moderadoras não sejam um eufemismo para copagamentos encapotados, então há que acabar com as falsas taxas moderadoras, onde nada se modera, apenas se limita o acesso”, lê-se no preâmbulo do diploma apresentado pelo BE. “Que sentido faz cobrar uma taxa moderadora por um exame que foi prescrito pelo médico de família? Se ele foi prescrito é porque o médico o acha necessário; logo, o utente tem de o fazer. Que procura moderará essa suposta taxa moderadora?”
No âmbito da revisão da lei de bases, tanto o BE como o PCP defendiam, nas suas propostas, o fim das taxas moderadoras. Em 2016, o Governo baixou os valores das taxas, aumentadas durante o programa de ajustamento. Já quando foi apresentada a proposta do Executivo para a revisão da lei de bases, no final do ano passado, a ministra da Saúde admitiu alargar as isenções a mais atos, não concordando, porém, com a introdução desta matéria neste processo legislativo e defendendo o princípio moderador. “Quando falamos de taxas moderadoras estamos a falar de 160 a 170 milhões de euros de receita (por ano). Não é esse valor que nos preocupa. O que nos preocupa é que, se pura e simplesmente deixássemos cair as taxas moderadoras, poderíamos criar uma situação de risco moral, de consumo desenfreado, excessivo e contrário aos interesses da sociedade”, disse Marta Temido.
Os dados de execução financeira do SNS revelam que, em 2018, os portugueses pagaram 161 milhões de euros em taxas, menos 1,7% do que no ano anterior. Em 2015, antes da redução dos valores, os pagamentos atingiram 184,9 milhões de euros. Há 6,2 milhões de utentes isentos do pagamento de taxas moderadoras, cerca de um terço dos utentes inscritos no SNS. As isenções por insuficiência económica são as mais representativas: em agosto de 2018 estavam dispensados do pagamento por este motivo mais de 2,8 milhões de portugueses, o que implica rendimentos mensais inferiores a 643,35 euros.
São assim cerca de 4 milhões de utentes que pagam taxas e que poderão beneficiar de uma futura dispensa. PS e PSD admitiram ao DN que irão votar a favor da iniciativa do Bloco, que deverá assim baixar à especialidade. Contudo, não há consenso numa revisão tão ampla do modelo que, à exceção dos valores e categorias de utentes isentos, permanece com o mesmo princípio de moderação de acesso em todos os atos desde a implementação nos anos 90.