De repente, do asfalto da pista tudo passa para uma estrada de ninguém. Sem som, sem pessoas, sem cor.
Apenas um mundo distante, indesejado, que se quer proibido, um mundo onde tudo o que há é… nada.
Fim… quão perto consegues chegar, quanto tempo sabes esperar?
Não faço ideia das palavras que inundarão o pensamento de quem toca dois extremos da vida em frações de segundo.
A paixão máxima do desafio trazido num dom.
A solidão inimaginável de um pesadelo esmagador.
Pedro Nuno.
Num dia mais, igual aos dias em que num circuito se busca a geometria perfeita que possa conjugar-se com a velocidade máxima autorizada pelos motores e pelas leis do equilíbrio, numa equação que fará a seleção dos eleitos ao céu dos deuses das máquinas voadoras e ao pódio que os exibirá aos seus terrenos seguidores, num dia que era o 17.o do mês de julho no ano de 2017, encontraríamos Pedro Nuno, assim estivéssemos com ele naquela tarde em Aragão.
E, afinal, nesse dia nada seria igual aos outros em que se busca a tal geometria.
Nesse dia, num momento específico, uma conjugação de equações de engenharia iria ter como consequência o fim de um motor em mota de outro, óleo na pista de seguida, em milésimos de segundo ali estava a armadilha infalível que anula a aderência, quem vem atrás tem zero hipóteses, zero escolhas, um pelotão de uma beleza geométrica vai estatelar-se num caos de sorte e azar, alguns ficarão apenas de fora da corrida, outros ficarão de fora de tudo num fulminante e simples momento, e da batalha pela glória passarão à batalha pela vida.
A velocidade a que aconteceu semelhante desencontro de sonhos e vontades foi, naquele pedaço específico, de 194 quilómetros por hora, assim rezam as medições.
Pedro Nuno.
Quem chegou ao local deverá guardar para si as imagens, aquele momento foi o momento de serem os melhores para evitar o pior.
Um momento fechado e guardado nas mentes de quem chegou
e de quem estava, honremos a privacidade de quem foi escolhido para estar num espaço reservado a heróis.
Eles.
E Pedro Nuno.
Clinicamente falando, reproduzindo relatórios, tratou-se de um caso de múltiplas fraturas, algumas expostas, de uma artéria cortada e perda de sangue, por volta de dois litros.
Um horror terá sido o que se passou por ali, naquele momento, naquela pista, fim de prova, quase fim de vida, fim de carreira.
Para quase todos nós terá sido uma notícia trazendo o fim de trajeto para um piloto de velocidade.
Para Pedro Nuno foi a mais cruel armadilha trazida pela vida que com tanto trabalho construiu, com coragem escolheu e com um dom foi desbravando.
O que se passou desde aquele julho de 2017 foi esquecimento para todo o mundo da velocipedia e, se não todo, foi quase, quase todo.
Exceto para Pedro Nuno e para quem tratou de com ele seguir.
Médicos, terapeutas, família, alguns amigos.
Esforço, sem promessas, esforço, busca, procura do caminho.
Solidão, trabalho e mais esforço, o presente contra o passado,
solidão versus multidão.
A idolatria que um povo sem fim devota aos deuses que lhe trazem os milagres das curvas deitadas e de cavalinhos na meta deve-se à complexa e infinita exigência da soma de coisas como um dom, a loucura, a coragem e a precisão matemática que os levam a ser quem são.
Uma equação que deixa pelo caminho tantos, mas tantos
candidatos.
No primeiro fim de semana de maio de 2019, no Estoril,
Correram-se duas provas do Campeonato Nacional de Velocidade.
O vencedor, um candidato ao espaço divino dos nossos eleitos, chama-se, imaginem, Pedro Nuno.
Tem uma história incrível para vos contar.
E uma mais incrível por escrever ainda, que disso não se duvide.
Pedro Nuno, o salteador do Dom Nunca Perdido.